O FRAGELO DA FOME

Em 1956, a China vivia a consolidação da revolução comunista, que
dentre outras coisas havia pacificado o país e proporcionado sua
estabilidade econômica.A vida transcorria relativamente bem para o chinês,
até que em setembro do mesmo ano, no 8º Congresso do Partido Comunista,
comandado pelo “Grande Timoneiro” Mao Tse-Tung, resolveu lançar o ambicioso
2º Plano Qüinqüenal, a iniciar-se em 1958. Encarado como “o grande salto pra
frente”, no qual entre outras coisas, o país deveria no prazo de um ano,
crescer em proporções nunca vistas. Em 1958, em todas as aldeias,
alto-falantes transmitiam ao máximo volume a nova palavra de ordem; “Todo
mundo fabricando aço!” O mandamento incluía realmente todos. Cerca de 100
milhões de camponeses foram deslocados da lavoura para a produção de aço e
com isso a agricultura foi praticamente aniquilada. Para evitar dispersões,
as terras foram todas expropriadas e organizadas em grandes comunas
populares. O regime proibiu refeições em casa. Os camponeses só podiam se
alimentar nas cantinas comunitárias e dedicar o melhor de seus esforços à
produção de aço, nem que fosse de modo artesanal, no fundo do quintal. O
resultado foi desastroso. Não se produziu uma tonelada sequer de aço
economicamente viável, as safras quebraram e no início dos anos de 1960, a
fome matou mais de 30 milhões de chineses. Foi a terceira maior tragédia da
história humana, só superada pela Gripe Espanhola e pela 2ª Guerra Mundial.
Em 1961, Mao Tse-Tung viu-se obrigado a voltar atrás, mas já era tarde. Mais
do que com a miséria, o mapa da fome coincide com ideologias. Ao tempo em
que os chineses sucumbiam aos milhões, do outro lado do mundo, um jovem
cientista norte americano chamado Norman Borlaug, criava nos arredores da
cidade do México, um centro de pesquisas agrícolas que poucos anos depois
haveria de revolucionar o planeta. Trazia em mente uma única convicção; a
resposta para a fome não estava no campo minado das ideologias, mas sim na
ciência e na tecnologia. Após exaustivos experimentos, logrou criar novas
sementes de arroz e de trigo de altíssimo rendimento. E o mais importante,
perfeitamente ambientadas para os solos e os climas adversos do então
terceiro mundo. O continente Asiático, conhecido até então como o
“continente da fome”, nunca mais seria o mesmo depois de adotar as sementes
e os modos de cultivo recomendados pelo cientista. A fome foi quase
erradicada. A Índia e o Paquistão, em menos de uma década, se tornaram
auto-suficientes na produção de alimentos. A chamada “Revolução Verde” foi a
resposta cabal e definitiva do homem para o tão temido e preconizado
problema da superpopulação. Os cientistas não são como os heróis. A
humanidade não lhes ergue monumentos nem dão seu nome a cidades ou avenidas.
Se os delírios de Mao Tse-Tung foram responsáveis pelo fim de dezenas de
milhões de vidas, quantas centenas de milhões não terão sido salvas pelas
criações de Borlaug? Ele logrou conquistar o Prêmio Nobel da Paz em 1970,
mas é só. O Dr Borlaug esteve há pouco visitando o Brasil e ninguém o
festejou, aliás, quase ninguém soube. Embora venerado na comunidade
científica, continua sendo um desconhecido para a maior parte da opinião
pública. Salvar vidas é algo que não rende manchetes. Facínoras como Hitler
na Alemanha, Stalin na Rússia ou Mao Tse-Tung na China conquistaram muito
mais projeção e lembranças que esse anjo salvador. Poucas pessoas atualmente
conhecem a fundo a agricultura e seus problemas, especialmente nos países
pobres. Ao falar sobre a revolução dos transgênicos, Borlaug menciona que
com eles é possível transferir características desejáveis de uma planta para
outra, algo que não seria possível de outra forma. Afirma ainda que os
transgênicos são outra grande revolução. Esta é a abalizada opinião do homem
que mais fez concretamente pelo combate à fome em toda a história recente do
mundo. Norman Borlaug é a prova viva de que a tecnologia e a engenhosidade
são os únicos e eficientes combustíveis do progresso humano. As ideologias
só têm servido para manchar os homens de sangue.