Burocracia ou amor?

A questão pode parecer idiota. É óbvio que o amor deve prevalecer e que a burocracia é nefasta. Mas na prática, ela prevalece e constitui o atestado mais evidente da irracionalidade humana.

É o que acontece com frequência – e é lastimável que se conviva sem reagir com tal situação – no campo da adoção. Há milhares de crianças à espera de quem as adote. E, de outro lado, milhares de pessoas querendo adotar. O que impede que umas se aproximem das outras? A burocracia. A rigidez na leitura da lei que nunca poderia servir para atrapalhar, mas que sob a ótica dos empedernidos burocratas, os fariseus contemporâneos, obsta esse desejável encontro.

A vivência neste universo anacrônico e autista, o sistema Justiça, parece entorpecer mentes eruditas. Pessoas aparentemente brilhantes, não hesitam quando fazem prevalecer a inflexibilidade normativa em detrimento da sensibilidade. A visão míope e limitada já produziu vítimas. Quem não se lembra do juiz que flexibilizou os critérios de adoção e quase foi sacrificado em nome da austeridade hipócrita, aquela que não se curva à presunção de boa fé, mas que parte exatamente do polo contrário, imaginando malícia em todas as pessoas?

Pois as coisas não melhoraram muito. Tenho visto discussões infindáveis sobre a devolução da criança a quem dela esteve ausente por anos seguidos, extraindo-a do lar afetivo que a acolheu e onde já está integralmente entranhada, para satisfazer a letra da lei.

Xenofobia ainda existe, tanto que as adoções internacionais tiveram sensível redução nos últimos anos. É a soberania valente, fazendo com que a criança brasileira permaneça neste solo, excluída e sem futuro, em lugar de merecer status de cidadã do mundo civilizado. É a restrição às pessoas solteiras, é a concepção estreita do que significa família.

Esquecem-se os puristas, os sepulcros caiados, que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente prioriza o interesse do infante em primeiro lugar. Em nome da coerência, da fidelidade à letra da lei, privilegiam a malfadada burocracia, fonte de males que já poderiam ter sido excluídos da realidade brasileira e sufocam o amor. Ingrediente já escasso nesta era de materialismo egoísta e narcisista de uma sociedade moralmente decadente.