A Ministra e o desconhecimento do ato de Julgar

Noticiaram os jornais que a Ministra da Secretaria dos Direitos Humanos criticou o S.T.J. por absolver, em grau de recurso, acusado de estuprar três menores de idade. E falou em acionar o Advogado Geral da União para “buscar medidas jurídicas cabíveis”.

A par do fato de se imiscuir em questão que não domina, há equívocos flagrantes em sua colocação.

O julgamento a que se refere a noticia se relaciona com fatos ocorridos antes da lei nº 20.015, de 07 de agosto de 2009, que alterou profundamente o capítulo dos crimes contra os costumes, agora denominado de crimes contra a dignidade sexual.

O estupro, como se sabe, é um crime sexual violento. Na redação anterior do art. 213, implicava em constranger mulher, mediante violência ou grave ameaça, a conjunção carnal.

E outras palavras, o agente forçava a mulher à mantença da relação sexual, ou com violência física ou com violência moral (grave ameaça). A violência priva a vítima da capacidade de resistir. Daí a incriminação, pois o ato viola a liberdade individual quanto às coisas do sexo.

À época, a legislação penal previa uma forma de violência presumida. Ou seja, em determinadas condições, entre as quais ter a vítima menos de 14 anos, implicava em violência presumida. Em outras palavras, a simples mantença de relação sexual com menor de 14 anos, mesmo que consentida, configurava o crime de estupro com violência presumida.

Qual a razão dessa regra? Porque a manutenção de relação sexual com pessoa maior de 14 anos, em havendo o seu consentimento, não configurava o crime de estupro?

Porque o legislador entende que a pessoa com menos de 14 anos não tem ainda a capacidade de entender o fato, razão pela qual o seu consentimento é viciado não pela violência, mas sim pela imaturidade, pelo não conhecimento das coisas do sexo. O penalista Magalhães Noronha aponta como fundamento da presunção a “innocentia consilli” da vítima.

Instaurou-se divergência a respeito de ser absoluta ou relativa essa presunção. Alguns sustentavam que a presunção era absoluta, independentemente do desenvolvimento psíquico da vítima: assim, manter relação sexual com menor de 14 anos implicava sempre em estupro com violência presumida. Outros sustentavam que a presunção era relativa, podendo ser afastada em caso de prova da maturidade, do maior desenvolvimento da vítima.

Acabou por prevalecer, e não podia ser de outro modo, tendo em conta a razão que orientou o estabelecimento da regra de presunção de inocência, a tese segundo a qual a presunção era relativa.

Pois bem, o que o S.T.J. fez, no julgamento em questão, foi exatamente acatar a orientação predominante – e correta, no meu entender -, absolvendo o acusado, porque a relação sexual que mantivera com as menores, já no exercício da presunção, fora consentida. Não havia sido forçada.

Ora, se esse mesmo réu tivesse mentido a relação sexual com pessoas maiores de 14 anos, porque consentida, sem violência, não haveria estupro. Porque razão então se haveria de reconhecer o estupro pelo simples fato de serem as parceiras menores de 14 anos, já que experientes, e muito – porque prostitutas -, não tendo havido qualquer violência?

Não se pode falar, à evidência, na “innocentia consilli” das “pseudas” vítimas. Essas “vítimas”, já afeitas às coisas do sexo, porque infelizmente, apesar da pouca idade, “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data”. Como dizer, nesse caso, que o consentimento foi viciado porque não entendiam corretamente o que estavam fazendo? Tinha elas, na realidade, pleno conhecimento do que representava aquele ato.

Tecnicamente correta a decisão.

Não se trata, ao contrário do que entende a eminente Ministra, de relativizar direitos das crianças e adolescentes. Mas sim de aplicar corretamente a lei.

Não é demais ressaltar que o Direito Penal, e essa é uma garantia constitucional, não comporta interpretação extensiva ou analógica para incriminar alguém. O tipo penal, como se costuma dizer, é hermético, fechado.

Dessa forma, a Ministra, data vênia, além de invadir seara alheia, falou bobagem, exatamente por não entender do assunto. Mais ainda quando diz que vai acionar o Advogado Geral da União. É que esse órgão, porque não é parte no feito, nada pode fazer.

E o nosso Judiciário, felizmente, exercita, para desespero de muitos, o papel de um dos Poderes da República, independente dos demais.

A independência do Judiciário, que é uma garantia de todos os cidadãos, não é muito bem aceita por muitos.

 

 

 
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