Fico às vezes na dúvida se a coerência é uma virtude. Aquela certeza absoluta sobre tudo parece-me algo forçado. O natural é hesitar, ter dúvidas, tatear, tentar, retroceder se for necessário. A segurança permanente parece um refúgio de quem aprendeu a andar nos trilhos e tem pavor de se desviar deles. Afinal, é mais fácil caminhar na senda já aberta, já experimentada e, portanto, conhecida.
A dificuldade em aceitar o ponto de vista alheio não é firmeza, senão intolerância. Aprender com as diferenças é sábio, além de ser humilde. A existência inteira é um aprender incessante. Até a morte nos ensina. Ela gostaria que a aceitássemos como fato natural. E não sabemos enfrentá-la, embora seja a certeza única, a mais democrática das ocorrências, pronta a atingir todos nós. Por isso é que somos chamados “mortais”.
Fico às vezes decepcionado, após a surpresa de verificar que profissionais que têm a obrigação de conhecer e vivenciar o princípio do contraditório, mostram-se indignados quando a “sua” certeza não é a do próximo. Preferem conspirar, procurar apoios, evidenciar o absurdo da postura alheia, a repensar o seu próprio ponto de vista. Afinal, todo ponto de vista é uma vista a partir de um ponto. Será que o deles é sempre o certo e o dos demais sempre errado?
Não parecem felizes os inflexíveis. Ao contrário daqueles que ousam. Em todas as áreas, a ousadia oferece emoções que os “política e absolutamente corretos” não experimentam. Vivem a sua vidinha blindada, amparada pelas certezas inabaláveis, olhando o outro com inexplicável ressentimento. É pecado mortal não pensar igual?
O fenômeno não é novo. Talvez exista desde que o homem foi criado. Com suas misérias e fragilidades. Que o diga o polêmico Gregório de Mattos, o grande intérprete e tradutor cômico-poético das nossas mazelas particulares e sociais, das nossas contradições, enfim.
Ele traduziu o negativo deste Brasil de hipocrisia e maledicência, bem sintetizado em seus versos: “Eu sou aquele que os passados anos/Cantei na minha lira maldizente/Torpezas do Brasil, vícios e enganos”. O que mudou do século XVII ao XXI? Apenas as tecnologias, o avanço da ciência, a rapidez nas comunicações. O material humano continua sofrível, miserável, patético!