Ateu, mas nem tanto

O ateísmo está na moda. Converteu-se numa espécie de mantra, cujos atores atuam como se fossem pregadores. Um inacreditável “evangelho ateu”. Não satisfeitos em desacreditar, alguns querem fazer discípulos.

O ensaísta britânico Christopher Hitchens (1949-2011) escreveu “Deus não é Grande” e professou o ateísmo até morrer. Diagnosticado com câncer no esôfago, não mudou de ideia, mas admitia que não se responsabilizaria se, sob efeito de medicação, subitamente passasse a acreditar na vida após a morte.

Era bem humorado e encerrava as discussões travadas com intelectuais religiosos, seus amigos, afirmando: “Sou ateu, mas gosto de surpresas. Quem sabe…”.

Além de “Deus não é Grande”, escreveu “Últimas Palavras” e “O Julgamento de Kissinger”. A editora Atlantic Books lança um livro póstumo, cujo nome é “And Yet” (E Ainda), sem tradução para o português. É uma coletânea de textos publicados em boas revistas americanas, como Vanity Fair, Slate e The Atlantic. Seus artigos constituem ótimo exemplo de como escrever.

Textos curtos, precisos, com a narrativa de suas desilusões com Che Guevara, além do relato de uma experiência em que tentou melhorar de aparência e abandonar o álcool com exercícios e dieta. Hitchens fala a todas as idades, mas a juventude é mais atraída por sua linguagem direta e franca. É que as suas preocupações estão em sintonia com o jovem antenado, que enxerga aquilo que se passa neste conturbado mundo.

Outra obra póstuma que Sylvia Colombo analisa na FSP de 5.3.16 é “Quando os Fatos Mudam”, de Tony Judt (1948-2010). Também morto precocemente – ambos faleceram com 62 anos – Judt escreveu “Pós-Guerra”, “O chalé da memória” e “O Mal Ronda a Terra”. Algo interessante aproxima esses dois ingleses que vieram morar nos Estados Unidos. Ao sentirem a aproximação da morte, quiseram escrever rapidamente o seu “recado” aos filhos, alunos e a todos os que quiserem ver melhor o mundo.

Judt foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica em 2009 e durou mais um ano. A doença fê-lo sentir a urgência em passar adiante suas reflexões para filhos e discípulos. Mesmo com a ajuda de assistentes, enquanto teve consciência, não parou de escrever. Exemplos de devotamento que podem inspirar os jovens a se esforçarem para alcançar seu objetivo existencial.

Fonte: Jornal de Jundiaí | Data: 13/03/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail:imprensanalini@gmail.com.