Em quase 127 anos de República vivemos alternadamente períodos de
democracia e autoritarismo, de maior ou menor autonomia dos Estados no
modelo federativo. Com a Constituição de 1988, o País completou o amplo e
vigoroso movimento pelo fim da ditadura militar e pela redemocratização,
alavancado pela campanha das diretas-já e vitorioso na memorável eleição de
Tancredo Neves. Desde então, temos assistido a um permanente processo de
consolidação das instituições, numa clara demonstração de que superamos de
vez alguns fantasmas do passado e ingressamos definitivamente no campo das
nações politicamente desenvolvidas e civilizadas. Vencida essa etapa,
impõe-se agora um período de aplicação firme de nossa Lei Maior. Há pouco, o
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, rasgou a
Constituição ao fracionar o julgamento do impeachment da Presidente Dilma
Rousseff, mediante o expediente do destaque de votação. O texto
constitucional, expressa e claramente, determina que o Presidente da
República ao ser condenado por crime de responsabilidade, por decisão de
dois terços dos votos do Senado Federal, perderá o cargo, com inabilitação,
por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais
sanções judiciais cabíveis. A lei suprema do país estabelece que a
condenação terá como consequência a imposição de ambas as penas, sendo uma
aberração jurídica decidir de forma diversa. Diante de tudo, a decisão do
presidente Lewandowski em separar a perda do cargo, da inabilitação para o
exercício de função pública, confere uma interpretação totalmente contrária
ao espírito do parágrafo único do artigo 52 da Constituição da República. Em
verdade, deu maior relevância jurídica ao Regimento Interno do Senado e a
Lei nº 1079/59 (Trata do Crime de Responsabilidade) em detrimento da
Constituição. Com essa decisão, a ex-presidente Dilma Rousseff, embora
condenada por crime de responsabilidade por ferir a Constituição, poderá
exercer função pública, por exemplo, ser secretária municipal, ou seja uma
aberração jurídica. Mais esdrúxulo ainda é nenhuma Associação de Juízes ou
mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não ter entrado no STF com
mandato de segurança para extinguir os efeitos da segunda votação,
eliminando um precedente jurídico que pode trazer problemas a nossa jovem
democracia.