Quando a crise na Europa estava no auge, a Grécia foi chamada, ao mesmo tempo, de ovelha (negra) e de bode (expiatório) pelos demais membros da União Europeia.
Afinal, os gregos e os seus problemas não tinham a menor semelhança com aqueles do resto do velho mundo…
Do lado de cá do Atlântico o mundo novo envelhece igual e elege seus correspondentes bois de piranha da vez: a Argentina e a Venezuela.
Com a anuência de seu povo, cuja voz, dependendo da fé, deveria ser a de Deus, esses dois países vêm se fartando na fartura finita de suas commodities;los hermanos nos seus grãos e a terra dasmisses no seu petróleo.
Ambos têm intervindo com seus bancos centrais e com medidas administrativas visando impedir a queda de suas moedas e a ascensão da inflação.
Na Argentina, a inflação real beira os 30%, e o dólar no mercado paralelo compra 70% mais pesos do que comprava no meado de janeiro.
Na Venezuela, 2013 se encerrou com uma inflação de quase 60% e o dólar no mercado negro custa sete vezes mais bolivares do que na taxa oficial.
A mezinha costumeira de usar as reservas pra desaquecer a demanda por dólares tem custado aos dois países reduções violentas de seus lastros em ouro e moeda estrangeira, conseguidos a duras penas via exportação – cada vez menos rentável, em volume de dólares – daquelas suas commodities, detonando um círculo vicioso de dificílima reversão.
A recente decisão do governo de autorizar os argentinos com renda superior a 900 dólares mensais a adquirir dólares com até 20% do seu salário, à taxa oficial do câmbio, aliviou a pressão nas reservas.
O dólar é transferido para a conta bancária do comprador, que é penalizado com 20% de taxa administrativa se fizer qualquer retirada antes de um ano a partir do depósito.
Considerando-se que somente 1/3 dos argentinos superam o patamar de renda que permite comprar dólares no câmbio oficial e que, mesmo pagando mais 20% pelo saque imediato, ainda sai mais barato que no mercado paralelo – acrescentado o medo de que a desvalorização do peso leve a mais inflação – as medidas têm surtido menos efeito que o esperado.
Mas o governo argentino tem se revelado disposto a não dar folga ao crescimento descontrolado da inflação.
De um lado, seu banco central acaba de aumentar em 6 pontos percentuais uma de suas taxas referenciais de juros, embora a média dos juros ainda permaneça abaixo da inflação – pelo menos nos números.
De outro, não parece haver interesse pela reposição integral da inflação nos reajustes dos salários do trabalhador argentino – a serem negociados em março e abril – diante da alegação de que aumento de preço não reposto no salário é o melhor redutor de preços que existe (acho que nós lhe ensinamos isso…).
Embora o peronismo populista – inesgotável, por mais que se malversem os recursos! -imponha gastos incompatíveis com o procedimento econômico, a Argentina deixa vislumbrar a possibilidade de retorno à normalidade, nem que seja só esperança vã…
O venezuelano, o vizinho do norte, vai precisar de esperança muito mais audaz, visto que seu governo resolveu contestar até o Adam Smith, o pai da economia moderna!
Entre outras atrocidades, resolveu, no câmbio, taxar o dobro nas transações não-essenciais, sejam lá elas quais forem.
A taxa menor (metade da não-essencial), hoje em torno de 6,3 bolívares por dólar, se aplica às importações do governo e de itens básicos como comida e remédio.
No tratamento ditatorial aplicado na defesa de sua moeda, o governo chavista reduz ainda mais a sua reserva de dólares e desperta o medo do calote puro e simples entre os seus credores, incluindo companhias aéreas internacionais, que recebem bolívares pelas passagens vendidas e têm que trocá-los por dólares no sistema financeiro.
Já se sentem os efeitos, de Maracaibo à Isla de Margarita:
Algumas companhias aéreas passaram a impor enormes restrições à venda de passagens; outras simplesmente suspenderam as vendas.
Muitos medicamentos e partes de equipamentos médicos desapareceram; peças de automóveis, incluindo baterias, estão cada vez mais difíceis de achar; jornais – debilitados pelo excesso de censura – fecharam de vez por falta de papel.
O governo – claro! – culpa a atividade privada e o cidadão ordinário pelo uso irresponsável de moeda estrangeira e ordenou cortes drásticos no porte de dólares aos viajantes, especialmente os que se destinam a Miami.
O envio de dinheiro a parentes no exterior também foi reduzido significativamente.
Num lampejo despótico – e, portanto, estúpido – de conter a inflação a la sarney, acaba de determinar que as companhias só podem ter 30% de lucro sobre os seus custos.
E ameaça prender e arrebentar os transgressores…
Ao Brasil, que, aparentemente, só tem vizinho bom do outro lado dos Andes, fica difícil exercer a política da boa vizinhança com os demais sem ser afetado negativamente pelas dificuldades econômicas que os afligem.
No lado político, apesar dos obstáculos geográficos, os latino-americanos somos muito parecidos e, de certa forma personalizada, em geral decidimos quem deve nos governar.
Por acá, com a nossa gerenta perdendo o suporte, começam rumores sobre a volta prematura do Grande Amigo Pajé e de suas parábolas de baixo calão, eis que o importante é eternizar a ditadura partidária, apesar dos tiros no pé, mantendo os ratos na mesa principal e a galera animada nos porões… Sem bom senso, sem palavras e sem pena – e sem participação na sua própria história!
Será que resolvemos procurar, deliberadamente, aquele fim prometido pelo guru indiano, onde tudo daria certo?