Estranho quando se fala em privacidade e, ao mesmo tempo, se escancara a vida com a maior sem cerimônia. O que vem a ser hoje a intimidade? Será que ainda está em alta o “direito a estar só”? A se acreditar na tendência de se comunicar tudo a todos, de forma instantânea e contínua, concluir-se-á que ele já esteve em alta. Hoje está em queda acelerada.
É aquilo que Luli Radfahrer, jornalista da FSP, chama de “registro do desempenho”, algo que hoje faz parte da identidade pessoal. A tecnologia produziu aparelhos móveis com sensores de calor, proximidade, movimento e geolocalização, que funcionam, simultaneamente, como agentes de motivação e coletores de informação. Se houver conexão a esses instrumentos, os smartphones registrarão peso, medida, batimento cardíaco, mudança de humor, efeito de medicação, nível de atividade física, consumo de água, café ou de calorias em geral.
Seria uma forma patológica de narcisismo partilhar tudo isso nas redes sociais? Para Luli atingimos um novo estágio para a interação social. “Depois da digitalização das cartas por e-mail, das conversas por SMS e mensagens instantâneas, dos pontos de vista por Pinterest e Instagram, dos históricos pessoais e preferências pelo Facebook e dos estados de espírito pelo twitter, parece ter chegado a vez da atividade física, que de coletiva foi individualizada”.
Ingressamos, e isso é irreversível, num ambiente cada vez mais cibernético e social. As fronteiras entre o físico e o digital, entre o pessoal e o coletivo, estão cada vez mais fluidas, difusas, imperceptíveis até. Se nos acostumamos com o manejo de contas e extratos de banco para a movimentação financeira, nos acostumaremos também à consulta dos infográficos produzidos pelo acompanhamento de nossa performance em vários níveis.
Isso permitirá uma avaliação permanente e sistemática do próprio corpo, o que nos conduzirá a maior autoconhecimento, reflexão e aprendizado. Como conclui Luli Radfahrer, “Mais do que vitrine exibicionista ou casa sem cortinas, eles podem servir como um grande espelho que, ao refletir ações, ajude a redefinir identidades”. Isso precisa estar na consciência da comunidade jurídica ao insistir em indenização por dano moral em virtude de pretensa invasão de privacidade. Após o escancaramento dos dados, o que resta a esconder?