A chamada Cracolândia em São Paulo foi o primeiro agrupamento de viciados em drogas no Brasil e ainda é o maior…
Abriga, ou melhor, desabriga cerca de 2000 pobres-diabos, a imensa maioria ainda muito jovem – que desamparado, drogado, subnutrido e subumano não têm vida longa como os reis! – embora aparentem maior idade, eis que envelhecem um mês a cada dia, como naqueles trash movies de Hollywood.
Hoje, a maior parte das cidades têm as suas concentrações – leia-se depósito a céu aberto – de dependentes de drogas, e estudos recentes revelam que o número de brasileiros consumidores de crack passa de 1 milhão, o maior do mundo.
Nos últimos vinte anos, à medida que os consumidores americanos se voltaram para as drogas sintéticas, os traficantes de coca cultivada na Bolívia, Colômbia e Peru intensificaram seus esforços em outros mercados.
O Brasil faz fronteira sem cerca, sem dono e sem jeito com esses três países.
A prosperidade brasileira crescente garante os consumidores, e as gangues forjadas, torneadas e usinadas nas prisões-escolas – que não discriminam na lotação e, muito menos, descriminam – cuidam da distribuição, e o negócio segue pujante…
Do lado dos homens de bem, algumas administrações municipais têm usado a força pra combater essa epidemia do crack e acabar com o vexatório zoológico de humanos em suas ruas e becos, mas só têm conseguido lotar ainda mais suas prisões, hoje com o dobro de internos de há dez anos.
No ano passado, a polícia paulistana, na chamada operação Dor e Sofrimento, resolveu forçar – com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha – a desocupação da Cracolândia.
O objetivo principal era atacar o fornecimento, dispersando, com fogos de artifício, os consumidores, os quais, privados da droga – e, portanto, na dor e no sofrimento – iriam, desesperados, procurar ajuda pra se livrar do vício.
Conseguiu-se só a dispersão, como já alertavam alguns especialistas, que viam a estratégia com ressalvas. Para eles, forçar crises de abstinência pode provocar outras reações nos usuários, inclusive violentas. E estudos mostram que a falta da droga não causa busca por tratamento, pelo contrário. Na fissura, dizem alguns médicos, o usuário não tem discernimento para decidir o que é melhor ou não pra ele.
O CRATOD (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), situado junto ao Parque da Luz, em plena Cracolândia, já precisou fazer um puxadinho pra abrigar os angustiados parentes que lá acorrem em busca de ajuda para os seus dependentes.
E a cena mais deprimente que se vê por lá não são os pacientes esperando pelos check-ups, aconselhamento, arte terapêutica ou ginástica, mas as mães sendo mandadas de volta de mãos vazias aos seus bairros de origem pra tentar conseguir ajuda aos filhos próximo de casa, que àquele centro só compete a região onde o mesmo se localiza, ou seja, o velho centro da cidade.
Como se a periferia da grande metrópole estivesse bem provida de serviço público e essa mãe não o tivesse percebido antes de viajar ao centro…
Contudo, tem havido melhoras.
A compreensão de que o tratamento sem a internação do paciente pode oferecer bons resultados no longo prazo, considerando-se as constantes recaídas pós-internação, e a noção de que o trabalho da polícia deve se restringir ao combate ao tráfico, proteger os funcionários de saúde e manter a paz entre os usuários são as principais.
E, embora haja oposição que defenda com bons argumentos o contrário, no que se refere à independência da droga ocorrer sem o tratamento intensivo – pelo que advocam a construção de um hospital especializado, num quarteirão abandonado da região central – aparentemente nunca houve tanta comunhão de postura entre governo e sociedade para o mesmo velho problema do vício.
E esse é o maior – e mais promissor! – progresso até agora…