A CRISE DA CITRICULTURA E A TERCEIRIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA

Mais uma vez me volto para a crise da citricultura paulista. Tema que acompanho há anos. Infelizmente, ao longo das últimas décadas, esse segmento vem passando por um intenso processo de concentração econômica que tem penalizado os pequenos e médios produtores de laranja de meu Estado.

No interior paulista, lavouras foram derrubadas e a laranja deu lugar às culturas de milho, cana, tomate, café e outras. Segundo informações do presidente da Federação das Associações Rurais do Estado de São Paulo (FAESP), Fábio Salles Meirelles, publicadas no jornal Estado de São Paulo, em 15 de abril último, “a safra 2012/2013 foi a pior da história da citricultura, dada à dificuldade de comercialização devida à ausência de compradores e/ou baixos preços, que resultou na perda de quase 80 milhões de caixas e de receita de aproximadamente R$ 850 milhões, além da exclusão de cerca de dois mil citricultores e de milhares de trabalhadores rurais da atividade.” Além disso, continua Meirelles, o IBGE estimou números alarmantes para a citricultura, pois a área a ser colhida, nessa safra, terá redução de 13,8%, em nível Brasil, e de 21% no Estado de São Paulo, o que equivale a uma diminuição de 115 mil hectares de área plantada para essa cultura.

Esse quadro, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (Citrus-BR), é resultado dos altos estoques de suco das empresas processadoras de laranja agregado à queda no consumo mundial.

No entanto, apesar do fraco desempenho desse setor, segundo as informações sistematizadas pelo Estado de São Paulo e divulgadas pelo Presidente da FAESP, o Brasil é o maior produtor e exportador de suco de laranja, respondendo por 80% do comércio mundial, sendo que a produção brasileira da fruta está concentrada no Estado de São Paulo, e 85% dela destinam-se ao processamento de suco.

A citricultura paulista representa uma valorosa cadeia produtiva do agronegócio brasileiro, seja pelas exportações de US$ 2,2 bilhões, pela renda agrícola agregada de R$ 4,5 bilhões ou pelo número de citricultores, trabalhadores rurais e prestadores de serviços na atividade, estimados em 300 mil pessoas.

Nesse quadro de intensificação da concentração vertical e horizontal da produção do suco de laranja, a recente decisão da Vara da Justiça do Trabalho, da cidade de Matão, no Estado de São Paulo, a partir de uma ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho, acirrou o conflito entre a indústria e os produtores de laranja.

A Justiça condenou as quatro maiores fabricantes de suco de laranja do país – a Sucocítrico Cutrale, a Louis Dreyfus Commodities Agroindustrial, a Citrovita Agroindustrial e a Fischer – a pagarem uma indenização de, aproximadamente, R$ 400 milhões por danos morais coletivos devido à terceirização de trabalhadores rurais.

A decisão, do juiz Renato da Fonseca Janon, da Vara do Trabalho de Matão, divulgada em 25 de março último, determina o pagamento da multa e o fim da terceirização nas atividades de plantio, cultivo e colheita de laranjas das empresas, em terras próprias ou de terceiros, localizadas no território nacional, com produção agrícola utilizada em suas indústrias.[1]

As fabricantes podem recorrer ao Tribunal Regional do Trabalho de Campinas. Se a decisão for mantida após julgamento na última instância, as empresas terão prazo de 180 dias para cumpri-la, sob multa diária de R$ 1 milhão em caso de descumprimento.

O tema e a decisão são polêmicos e a indústria teve o apoio da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA. O que ensejou a presidente da CNA a publicar um artigo, no jornal Folha de São Paulo, em 06 de abril último, denominado Na contramão da modernidade.

“O mundo moderno das relações empresariais e trabalhistas caminha rumo à flexibilização, à agilidade e à redução de custos. […]

As novas redes de produção estão baseadas em crescente especialização, em que cada elemento ou elo oferece sua vantagem competitiva, de forma que todos saiam ganhando.

A recente decisão da Justiça do Trabalho de Matão (SP), a partir de uma ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho, vai na contramão dessa tendência.

Ela condenou as maiores indústrias de suco de laranja do país (Cutrale, Citrosuco e Louis Dreyfus Commodities) a pagar indenização de R$ 400 milhões por dano moral coletivo que teria sido causado — e esse é o problema– pela terceirização indevida de trabalhadores no plantio e colheita de laranja.

Ora, o plantio e a colheita, assim como o transporte de frutos ou de grãos, são atividades por si mesmas, que seguem regras próprias e nada têm a ver com uma suposta terceirização de mão de obra indevida.

[…]

Não há mais sentido, nas redes de produção modernas, em separar como realidades distintas atividades-meio de atividades-fim. Elas se entrelaçam de uma forma indissociável, pois, segundo a perspectiva, fim se torna meio, e meio, fim. […]

Se um empreendedor rural opta pela produção e pela colheita de um determinado produto, trata-se de algo que se origina de uma escolha sua, sendo dela responsável, inclusive do ponto de vista trabalhista.

O que é inaceitável é que tal empreendedor venha a ser considerado, pela Justiça do Trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho, como um mero intermediário, um eventual ludibriador da legislação trabalhista ou, até mesmo, um trabalhador assalariado velado. A livre escolha é um princípio da moderna sociedade.

Contrapondo-se a esses argumentos e defendendo os interesses dos pequenos agricultores, o presidente da Associtrus – Associação Brasileira de Citricultores, Dr. Flávio Viegas, enviou-me a seguinte mensagem eletrônica, em 14 de abril:

“ A análise formulada pela Senadora [Katia Abreu] requer uma reflexão mais profunda do que a por ela exteriorizada, pois não se circunscreve aos critérios para a definição acerca da legalidade ou ilegalidade da terceirização (decisão, aliás, adstrita aos órgãos competentes como o Ministério Público do Trabalho e a Justiça Trabalhista), mas finca raízes em uma gama de medidas adotadas pela indústria para engrossar as linhas do cartel que costuraram há anos e que, por via oblíqua, atingiu em cheio os produtores e os trabalhadores do setor.

Explica-se:

As indústrias de suco de laranja historicamente fizeram a colheita da laranja.

As indústrias [de suco de laranja], que vinham sendo julgados no CADE por formação de cartel, assinaram em outubro de 1994 um TCC – Termo de Compromisso de Cessação, comprometendo-se a interromper as práticas que vinham adotando, suspendendo com isso o processo.

Em maio de 1995, no entanto, as esmagadoras assinaram entre si um contrato cuja essência evidencia o cartel e, em retaliação aos produtores, transferiram a colheita e o frete da laranja para os citricultores, sem nenhuma compensação.

Isto provocou enormes transformações no setor, pois os produtores passaram a arcar com os custos diretos e indiretos da colheita, além de fretes e riscos das operações.

A consequência da incapacidade econômica, técnica e gerencial dos produtores em manter o mesmo nível de atendimento aos colhedores e transportadores ensejou enorme precarização nas condições dos trabalhadores, com descomunal impacto econômico e social, circunstância agravada pela criação, por parte das indústrias, de falsas cooperativas de trabalho as “coopergatos”, imediatamente censuradas e proibidas pela Justiça do Trabalho.

A Presidente da Confederação Nacional da Agricultura, cujo olhar se concentrou apenas nos interesses das grandes indústrias, não se atentou às especificidades da questão, abandonando aquilo que realmente importa para a análise escorreita e imparcial do debate: a degradação da mão de obra e dos transportes é um desdobramento direto da gana das indústrias (e seu cartel) em espoliar os produtores (que a partir de 1995 passaram a ter que entregar a fruta nas fabricas pelo preço da fruta na arvore) e mais recentemente os trabalhadores.

No caso da citricultura, como na cana, a colheita é parte indissociável do processo produtivo, pois o produto não é estocável e o processo de colheita é controlado, dia a dia, hora a hora, pelas processadoras. Em decorrência disso, são freqüentes as paralisações das colheitas, em função de paradas de fábrica, mudança de qualidade de fruta, evolução da maturação, entre outras causas.

Além disto, o crescimento da produção dos pomares próprios das indústrias criou outros enormes problemas.

O citricultor, além de não saber quando e como será feita a colheita, de ter escala de produção muito menor, de não ter condições de gerenciar o seu processo, concorre com a indústria em evidente desvantagem na contratação dos serviços de colheita e frete.

A consequência é que os melhores colhedores e transportadores são contratados pela indústria, restando aos produtores equipes menos produtivas e que têm sua produtividade ainda mais comprometida pelas filas na porta das fábricas.

Queremos enfatizar que nossa posição só é contrária à terceirização nos casos de estreita vinculação entre a colheita e as operações subsequentes.

Para os produtos que permitem estocagem relativamente prolongada, a terceirização pode ser uma alternativa viável e até recomendável, o que não ocorre com a laranja.

O retorno da assunção dos custos despendidos com a colheita e o frete para as indústrias é uma reivindicação antiga dos produtores e trabalhadores, principalmente se considerado que é iterativo o entendimento na Justiça do Trabalho segundo o qual “a colheita é parte do processo produtivo, portanto não pode ser terceirizada”.

 

Com essa mensagem, o presidente da Associtrus solicitou-me que, novamente, apresente a essa Casa a situação do mercado de trabalho da citricultura e requeira aos ministros da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Antônio Eustáquio Andrade Ferreira, da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, e da Fazenda, Guido Mantega, a adoção de medidas e providências necessárias para que seja regulamentado o retorno da assunção dos custos despendidos com a colheita e o frete pela indústria, pois em tal fato está a origem do problema e sua regulamentação certamente ensejará a resolução da situação de precarização em que se encontram pequenos e médios produtores e os trabalhadores da citricultura.


[1] Segundo a Agência Brasil da Empresa Brasileira de Comunicação, de 25/03/2013. http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-03-26/justica-multa-em-r-400-milhoes-maiores-industrias-de-suco-de-laranja-por-terceirizacao

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