O Direito ainda não solucionou o dilema entre o naturalismo e o positivismo. É sedutora a concepção de que o ser humano, apenas por integrar essa espécie peculiar, provida de razão, titulariza direitos naturais, supraestatais, que não precisam ser outorgados pelo Estado, mas apenas declarados por este. São direitos que servem de garantia ao indivíduo, frágil e impotente, diante da onipotência do governo.
Já o positivismo, concepção à qual Hans Kelsen conferiu enorme prestígio, entende como direito apenas aquele posto pelo Estado, instituído por este, produto da mente e da razão humana. Sem essa positivação, não pode existir direito.
Partilho da opinião dos que aceitam a preexistência dos direitos naturais. E quais seriam esses direitos naturais? Viver e sobreviver é o seu conteúdo mínimo. Por isso se fala em “mínimo existencial”. Para Michel Onfray, “viver e sobreviver supõe a satisfação das necessidades do corpo e do espírito à medida que, assim apaziguados, permitam a existência de um corpo que seja e dure livre de todo sofrimento, assim como a de uma alma, nas mesmas condições, desde que ela, por si própria, seja conservada dentro da dignidade”.
O direito natural elegeu tais objetivos e eles valem para todo o planeta. Nos recônditos da Sibéria e na avenue Champs Elysées em Paris. No Jaçanã e em Papua-Nova Guiné. Em Heliópolis ou na Quinta Avenida em NY. “Em todo lugar e para todos, as leis naturais são defensáveis a partir desses princípios: existência, integridade e saúde do corpo, identidade, conservação e dignidade da alma”.
Parece simples, mas é extremamente raro encontrar todas as pessoas a fruírem seus direitos naturais. A condição humana é vulnerável, falível e essencialmente frágil. Para sobreviver, a criatura precisa se cuidar. Comer e beber custa dinheiro. É preciso pagar o alimento a cada dia e dilapidar incessantemente o dinheiro a cada refeição. Para ter saúde, é necessário pagar, pois o atendimento público é precário. Que saúde está reservada aos miseráveis?
Os ricos atravessam uma existência mais tranquila, com danos menores do que os que não têm nada. Estamos realmente preocupados com estes? Como é que nós ajudamos os irmãos a fruírem seus direitos naturais?