Esses velhos, pobres velhos…

– Adeus ano velho, feliz ano novo!

 

– Que venha o “Treze” – novinho!

 

– Dois mil e doze, pelos “uis” e pelos “ais”, até nunca mais!

 

Eu sei que, se viver mais, ainda poderei me lembrar destes dias comobons, mas me permitam reclamar nesta crônica enquanto acho que consigo distinguir o meu bom do meu ruim

 

Ultimamente, a cada vez em que um ano fica velho e acaba – e, privilegiado, é substituído por um novo – me surpreendo pensando emcomo seria se não os acumulássemos,como um baú já bem roto que se continua enchendo de velharias!

 

Reconheço que a opção de os não somar é suicídio, mas tentemos dar asas à imaginação, visto que simplesmente deixar os anos correrem não me parece muito melhor.

 

Os fins de ano chegam cada vez mais apressadinhos – como aquele sinal temporão de final de prova na escola que nos pegava quase conseguindo resolver a questão difícil – e o que nos trazem de novo é o que se vê no rosto e no resto…

 

Tenho saudade do tempo em fazer careta no espelho exigia um certo esforço e que só era dureza fazer o quatro quando eu estava no porre.

 

A academia de agora é a clínica de fisioterapia – sedentarismo jamais! – onde, quando dou sorte, sou massageado por uma daquelas enfermeiras alemãs de cinema que já passaram da idade-limite pra campeonato de natação.

 

Em casa, além da espreguiçadeira, o móvel mais importante pra mim tem sido um banquinho baixo ao lado da cama que me ajuda a pôr as meias e a amarrar os sapatos todas as manhãs.

Sem mencionar que a dificuldade de escolher a roupa já superou, de longe, a de decidir pelo “sim” diante do juiz de paz!

 

A sensação corporal geral é de que está havendo uma revolta libertária das partes – obrigadas pela longevidade moderna a conviver em harmonia por mais tempo do que naturalmente esperavam – e elas se recusam a viver sob o mesmo todo…

 

Na anatomia muscular – mania do homem sarado – constatei que meus biceps já não fazem mais muque como antigamente, e se juntam aos triceps no lado posterior do braço.

 

O músculo peitoral, antes tão maior, hoje se confunde com o abdominal, e este, outrora retíssimo, agora ficou cheio de curvas, e só segura a íngua com a telinha sintética – desde que eu não tussa!

 

 

E os glúteos, revelando, afinal, sua importância no corpo do homem , se escafedem, pro desespero da pelve, fazendo com que eu, sempre que sento na areia da praia – com a devida vênia pelo desabafo chulo – imagine que um chute na bunda pode, sim, doer mais que um pé no saco. E não só no sentido figurado!

 

Quanto aos órgãos – internos perpétuos na prisão do ventre! – embora obrigados a maior intimidade, são os que mais perdem a solidariedade…

 

O velho coração, mais romântico, insiste marcando a cadência, mas é pouco respeitado.

 

Parece que todos os órgãos estão tão surdos quanto os ouvidos.

 

O fígado se desentende com a velha parceira vesícula… o estômago descarrega no intestino, que resolve endurecer… e os rins atiram pedras pra todo lado, enquanto a próstata se atraca com a uretra e tenta matá-la por estrangulamento.

 

Na vida social, em que todos parecem ser uma grande família, estranhos viram netos e me chamam de vovô, enquanto as balzaquianas, a quem eu, cavalheiro galante, embevecia abrindo todas as portas, hoje já começam a me retribuir a gentileza: me chamam de “tiozinho” e me dão a vez até na fila de idosos!

 

Os homens bem-sucedidos – não sei se por maior fortuna – se transformam em troféus dos demais e, finalmente, viram estátua – às vezes vivos, portanta plástica! – pra alegria de prefeitos, de vândalos e de pombos, que dela fazem poleiro.

 

Que me perdoe o Lupicínio, mas quero de volta a minha mocidade, quando todas aquelas dúvidas pareciam mais promissoras que as certezas de agora.

 

Assim que o Papai Noel estiver mais folgado, vou lhe pedir que me leve de volta aos meus vinte e poucos anos.

 

Se não for possível, que me ensine o segredo de “como morrer de rir com o saco nas costas”

 

E, aproveitando a pândega dos brindes com o champanhe, pedirei a Baco que me dê a receita do vinho velho que não azeda!

 

Afinal de contas – sem querer parecer piegas – tenho também percebido que o acúmulo dos anos vividos, embora me desse a rabugice do Zangado, me deu de lambuja a ternura do Dengoso, eis que a cada ano que passa vejo aumentar a minha lista de amores e a minha capacidade de amá-los…