Eu, comedor voraz, me confesso (Parte 2)

No meu artigo anterior, me referi à importância vital das plantas no nosso planeta e ao nosso papel de consumidor predatório dos recursos que este nosso mundo oferece…

O verbo consumir, do latim consumire, significa gastar, extinguir, destruir, arruinar, dar cabo de, comer tudo em que se possa meter a mão, porque a vida é curta e locupletar-se é sinal de esperteza e de sucesso.

Só se for no efêmero e elusivo mundo do “me, mim, comigo”!

Antes nos chamássemos de participantes, termo que implica numa maior e mais generosa responsabilidade, num sentido de aquisição e contribuição mútua, em dar e receber, com gratidão e sentido de limite e autocontrole.

O participante percebe melhor que todo ato de consumo somente pode ter sustentabilidade se atrelado a algum contínuo ato de produção, e aprende a fazer melhor uso do recurso finito que lhe é dado, ao invés de procurar por melhor alternativa em forma de fonte inesgotável, mais difícil de achar do que a fonte da juventude…

Só pra ficar no que entra pela boca, sabe-se que a agricultura global produz em torno de 4.600 calorias por pessoa, por dia, na forma vegetal e animal.

Cada um de nós extingue, consumindo, entre 1.800 e 2.800 calorias por dia.

Hoje há 7 bilhões de bocas humanas na terra; 1 bilhão de barrigas subnutridas e outro bilhão de supernutridas, e o obeso mórbido empata com o caquético precoce.

Nas palavras da Organização Mundial da Saúde (WHO – World Health Organization), 1/3 da população mundial é bem alimentada, 1/3 se subnutre e 1/3 passa fome.

Em 2050, seremos – os que vivermos – quase 10 bilhões querendo comer alguma coisa, ou seja, a cada dia há mais 200.000 pessoas pra alimentar, enquanto 20.000 morrem por dia, de inanição.

Contudo, o problema não é falta de comida; é pobreza, má distribuição e política. Em geral, o excluído não pode pagar por sua comida, está muito fraco pro trabalho e essa espiral o leva à morte.

Dentre os que podem pagar, os americanos gastam hoje menos de 10% de sua renda familiar em alimentação – em 1950 era quase 30% – revelando ganho de produtividade no campo e aumento na renda do comensal.

Os franceses despendem 13%, incluindo o vinho feito em casa; os gregos, 18%, sem contar os pratos quebrados; os brasileiros, agora comendocomonunca, 20%: os indianos, 28%; os paquistaneses e os quenianos, 42% – sem considerar as diferenças de cardápio!

Do lado do produtor há os custos tangíveis: terra, preparo do solo, sementes, equipamento, manejo da plantação, fertilizantes e pesticidas, colheita, transporte e distribuição nos pontos de venda, num processo em que o lavrador leva menos de 10% do preço de seu produto no supermercado.

Do lado mais sério, porque intangível, há a perda de solo fértil: 1% da superfície cultivável é perdida todo ano devido à erosão provocada pelo vento e pela água.

A água potável, que tiramos do lençol freático e dos rios elagos, filtramos, ajustamos o pH, removemos alguns minerais indesejáveis, clarificamos e clorificamos – até colocamos flúor pra preservar os dentes! – e depois a usamos pra transportar esgoto!

E isso porque sabemos que 97% de toda a água do planeta é salgada e, portanto, inútil pra agricultura ou pra saciar a sede.

Dos 3% restantes, metade é gelo. Portanto, meros 1,5% estão disponíveis em rios,lagose lençóis subterrâneos para uso e abuso.

E quanto aos fertilizantes?

O nitrogênio (N) é abundante na atmosfera, mas biologicamente imprestável e praticamente inviável, eis que o processo pra transformar o N2 atmosférico em NH3 (amônia) utiliza enorme quantidade de energia calorífica e pressão.

E metade se perde na aplicação, fertilizando a planta errada e provocando a eutrofização (excesso de nutriente na água, em detrimento do oxigênio) delagos, rios e oceanos.

O fósforo (P), extraído do fosfato das rochas, deve se esgotar nos próximos 100 anos.

O potássio (K), atualmente de posse de três grandes fornecedores, que podem manipular o mercado, deve durar mais uns 200 anos, se tanto.

Em relação aos micronutrientes, o zinco (Zn) e o ferro (Fe) são casos críticos, também sujeitos à formação de cartéis no fornecimento.

E as plantas ainda precisam de cálcio (Ca), magnésio (Mg), manganês (Mn), boro (B), molibdênio (Mo), cobre (Cu), selênio (Se), níquel (Ni), pra não mencionar a tabela periódica inteira…

Remover a cultura do solo após a colheita remove também os nutrientes que precisam ser repostos.

A forma mais lógica – para um participante – seria parar de descartar as sobras do plantio – e o desperdício biológico! – e encontrar um meio saudável e produtivo de devolver tais nutrientes ao solo.

Mas isto é falar sobre desperdício, fato gerador desta confissão e assunto a ser abordado na sua terceira e última parte…