Nesta era de abundância de direitos, não é fácil a convivência entre a privacidade e a transparência. Ambos são valores acolhidos pela Constituição de 1988. A sensação que tenho é de que na queda de braço entre ambos, a privacidade perdeu. Essa derrocada foi objeto de uma visão profética de Marshall McLuhan, quando proclamou: “Todas as paredes vão cair”. Ele morreu em 1980, antes da web, mas já imaginava o que o mundo das redes traria para as comunicações entre os mortais. Embora seu assistente, Derrick de Kerckhove discordasse da opinião, sob o argumento de que as pessoas ainda seriam capazes de guardar silêncio sobre as coisas, McLuhan insistia em decretar o fim da privacidade. É como um tsunami: embora você saiba nadar, não vai adiantar.
Hoje, o criador do Facebook, Mark Zuckergerg, assumiu que a privacidade acabou. Seu enterro foi providenciado pelo Big data. O que é “Big data”? É a combinação de bancos de dados diversos, tanto os estruturados – cadastros de clientes – como não estruturados – o que se encontra nas redes sociais, para extrair de tudo isso novos significados.
Ninguém consegue fugir a isso. O passado se torna presente, pois qualquer informação – principalmente as que suscitam o faro da maledicência – estará sempre disponível. Depois de um fato, um clipping, uma foto, uma filmagem ingressar nas redes, nunca mais deixará de existir. Será sempre objeto de localização. Lembra algo mais antigo.
A penitência daquela mulher maldosa que falava mal de todo o mundo. Arrependida, foi se confessar e São Felipe Nery mandou que ela apanhasse uma galinha morta e espalhasse suas penas pelos recantos mais distantes da cidade. E depois voltasse até ele.
Quando retornou, ele pediu a ela que recolhesse todas as plumas. E ela disse que era impossível. A lição é clara e atual: depois de vulnerada a honra de alguém, é impossível extrair do mundo fenomênico essa mácula. Para conviver com essa exagerada transparência, é preciso assumir uma ética da humildade.
Saber que se está sendo observado e sujeitar-se ao escrutínio da opinião dos semelhantes. Ninguém mais consegue fugir ao escancaramento da publicidade, que na República recebeu o apelido de transparência.