A família é uma instituição clássica. Existe desde sempre. Na Roma antiga, o pater familias era uma outra instituição em si. Dominava o núcleo familiar, muito mais amplo do que o grupo consanguíneo. Como povo latino, Portugal herdou muito dessa configuração. E o conceito de família migrou para a colônia.
Antonio Cândido escreveu em 1951 um texto em que caracteriza sociologicamente a família brasileira sob uma perspectiva histórica. Sua estrutura seria a de um núcleo legal de pais e filhos e numa periferia de agregados. Tudo a orbitar em torno do domínio absoluto do pater familias.
Só que as mudanças nas funções econômicas, nos modos de participação cultural e nos tipos de dominação e subordinação geram alterações correspondentes em todas as relações da família. Houve evidente desorganização estrutural da família e a urbanização foi um fator decisivo nisso. A família patriarcal foi perdendo funções econômicas e políticas e resumiu suas funções na procriação e na disciplinarização do impulso sexual. Só que isso não acontece de repente. O Brasil é um desafio antropológico notável. Aqui ainda convivem famílias patriarcais, semi-patriarcais e famílias modernas, de grupo conjugal ou extraconjugal moderno, desvinculadas de qualquer tradição.
A desorganização social resulta de uma tensão constante entre os tipos ideais de “comunidade” e de “sociedade”. Os laços de solidariedade são trocados por relações pragmáticas, a pretexto de serem racionais. Concepções antagônicas de mundo criam tensões emocionais e insatisfações morais. Desagrega-se a ordem familiar e a autoridade do pater familias se esgarça e tende a desaparecer.
Hoje há um quadro multifacetado composto de inúmeras configurações de convívio, muitas delas distanciadas do que se poderia chamar “família”. Se isso é bom ou ruim, ainda não se sabe. Apenas se constata. É a verdade. Onde andará a “autoridade paterna”? E a disciplina? E o respeito aos mais velhos? E os bons modos? E a gratidão?
São perguntas que sequer são feitas, pois a velocidade das mutações sociais é tamanha, que – engolidos na voragem do tempo – os preocupados se aturdem, ficam perplexos, boquiabertos e … calados!