Inimigos

Nós costumamos chamar ‘inimigos do gênero humano‘ aos grandes malfeitores da História, aqueles cujos nomes têm garantida a celebridade nos séculos, manchada embora de infâmia, e mesclada à execração dos pósteros. Mas o mundo está cheio de pequenos ‘inimigos do gênero humano‘, de criminosos natos, que, no círculo mais ou menos estreito das suas relações, têm por vocação e perverso gosto cometer todos os delitos possíveis; fazer sofrer é o seu fim principal na terra; quanto mais fazem sofrer, mais gozam. Em geral vivem e morrem obscuros, salvos os casos relativamente raros em que por circunstâncias extraordinárias se emaranham nos arames farpados do Código Penal, e figuram em processos clamorosos”.

O texto está entre aspas, porque foi escrito por Carlos Magalhães de Azeredo, cujas “Memórias de guerra” acabo de ler. Foi diplomata, nasceu no Rio de Janeiro (7/9/1872), exatamente quando se comemorava o cinquentenário da Independência e morreu em Roma (4/11/1963). Aos 25 anos, era o mais jovem dentre os fundadores da Academia Brasileira de Letras e o último dentre eles a falecer, aos 91 anos de idade.

Passou a maior parte de sua existência no exterior, acompanhou de perto as duas Guerras Mundiais, defendeu os Papas acusados de omissão durante os conflitos e era um atento observador da História e da natureza humana. Essas pessoas por ele descritas são atemporais. Existiram sempre, continuam a existir. São aquelas que não conseguem presumir a boa-fé, se incomodam com o êxito alheio, torcem para que tudo dê errado, seu hobby preferido é a maledicência.

Não podem ser felizes. Ainda contam com privilégios dos quais não podem usufruir a quase totalidade dos contemporâneos, sempre se consideram injustiçados. Merecem mais e mais e mais. O infinito ainda não satisfaria suas pretensões.

Servem ao menos como exemplo negativo. As pessoas satisfeitas consigo mesmas, humildes e conscientes de que a vida é efêmera e frágil, nelas têm o exemplo de como não se deve ser. Estão cumprindo a sua missão de convencer os céticos de que desejar o mal, investir em pensamento negativo, é veneno que se toma, esperando que o outro morra. Em regra, não é isso o que acontece. Quem consome é que se amargura, se angustia, se enreda no negativismo e se infelicita.