O Legislador cochila e o Judiciário paga o pato

Em razão do elevado número de acidentes com vítimas, o legislador brasileiro resolveu endurecer a legislação de trânsito, alterando o Código Brasileiro de Trânsito e alterando a definição típica de diversos crimes (lei n. 11.705/08).

Um deles, e é o que nos interessa no momento, é o crime conhecido como embriaguez ao volante, definido no art. 306.

Antes da alteração processada pelo legislador, o crime consistia em “dirigir veículo automotor, em via pública, sob influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade pública”.

Assim, a configuração do crime exigia: a) que o motorista estivesse dirigindo veículo automotor sob influência de álcool ou substância de efeitos análogos; b) que assim agindo submetesse a dano potencial a incolumidade pública.

Agora, com alteração processada pela lei de 2008, o crime é conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, …).

Não mais se exige, como anteriormente, que a conduta submeta a dano potencial a incolumidade pública.

Porém, exige-se agora não apenas a influência do álcool, mas sim “concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas”.

Em suma, dificultou-se (praticamente impossibilitou-se) a punição por esse tipo de crime.

Anteriormente, bastava provar que o motorista estava alcoolizado (pouco importando o maior ou menor grau de alcoolização), o que podia ser feito por diversos modos, inclusive testemunhas ou exame clínico.

Agora, ao contrário, a prova é mais difícil, porque não basta provar que o motorista estava alcoolizado, mas sim também que a concentração por litro de álcool em seu sangue é superior a 6 (seis) decigramas.

Se a concentração de álcool por litro de sangue for, exemplificativamente, de 5 (cinco) decigramas não haverá o crime.

E como saber, com exatidão, qual a concentração de álcool por litro de sangue?

Somente através de prova técnica, científica. Testemunhas, ou mesmo o médico num exame clínico, poderão dizer apenas que o motorista estava embriagado. Nunca, por razões óbvias, dizer com exatidão qual a concentração de álcool por litro de sangue. Mas isso não basta, como já foi dito.

Essa prova técnica somente é possível através ou do instrumento conhecido como “bafômetro”, ou do exame de sangue.

Como a Constituição Federal garante a todos nós o direito de não produzir provas contra nós mesmos, ninguém pode ser obrigado a “soprar o bafômetro” ou permitir a retirada de sangue para o exame pericial.

Via de consequência, havendo recusa do motorista, não há como provar a configuração do crime.

Porque dizer que o Judiciário paga o pato pelo cochilo do legislador?

É que o Superior Tribunal de Justiça, aplicando corretamente a lei, decidiu nesse sentido, em razão do que está sendo crucificado na mídia como responsável pela impunidade desse crime.

A culpa da impunidade, no entanto, não é do Judiciário, mas sim do Poder Legislativo, que a pretexto de endurecer a punição acabou por inviabilizá-la.

O STJ apenas cumpriu sua missão constitucional de aplicar a lei. Não poderia, sob pena de afronta aos mais elementares princípios penais (garantias de todos nós contra o arbítrio do governante de ocasião, como é próprio dos regimes ditatoriais), decidir de maneira diversa.

O Judiciário não pode ser responsabilizado pela má elaboração da lei. Tem que cumpri-la como foi editada pelo Poder Competente.

 
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