A lepra do papado

O egoísmo não poupa ninguém. Mesmo os que se dedicam à vida religiosa tendem a se considerar melhores do que os pagãos, infiéis ou ateus. Isso é normal. A condição miserável da espécie humana. Falível e vulnerável. Preenche a sua finitude com a pretensão. Não faltam orgulho e vaidade aos homens. O difícil é alguém no topo da pirâmide reconhecer e afirmar isso. A coragem do papa Francisco me sensibiliza. Temo até por sua vida.

Numa entrevista concedida exatamente no dia em que ele prosseguia nas esperadas reformas da Cúria, ele disse que tudo fará para mudar a natureza introspectiva e vaticanocêntrica da Santa Sé. A burocracia, a inveja, a maledicência, tudo conspira para que o ambiente que deveria ser de santidade, seja exatamente “a lepra do papado”. A pompa histórica, o formalismo, o ritualismo estéril, podem afastar a substância da religião que é – etimologicamente – a religação da criatura ao Criador.

Quem recebeu por carisma levar o irmão ao Cristo é obrigado a tentar se aproximar do paradigma. E Jesus era o amor, a disponibilidade, a singeleza, o perdão. Para aqueles que se aproximam da Corte Pontifícia, parece interessar mais é o mando, os cargos, as honrarias. Que felicidade o papa enxergar isso! Será que ele conseguirá contaminar com esse vírus do bem toda a hierarquia?

E fazer com que a Igreja se volte aos primeiros tempos, em que os cristãos eram identificados porque se amavam? “Vede como se amam!”. Esse o exemplo, muito mais eficiente do que pregações retóricas, homilias que saem da boca e não do coração. Exemplos de doação integral, que nunca faltaram, pois a Igreja é santa e pecadora. Mas precisa investir na santidade e reconhecer o desvio para a senda pecaminosa.

Além disso, o egoísmo é a característica natural de todas as instituições humanas. Não há conjunto de pessoas, sistema ou projeto que deixe de ser envenenado pelo personalismo, pelo narcisismo, pela vaidade, orgulho e ambição de ter cada vez mais influência e poder.

A Igreja tem de ouvir o papa Francisco e deixar de negligenciar os excluídos. Hoje cuida preferencialmente de seu jardim, atenta ao perfume de pretensa santidade dos ratos de sacristia. Cumpre buscar o marginal, a criança, o jovem perdido e o velho abandonado ao naufrágio da velhice e atender ao chamado para renovar a face da Terra.