Malos aires…

A presidente brasileira tranquilizou todos que a aguardavam ansiosos em Davos: “o efeito da crise argentina não será ‘muito’ significativo no Brasil. Assim que venderem sua safra de grãos, aumentará o grau de liberdade de gestão da economia argentina!”

E foi comer, com a cara de pau daqueles que julgam estar cumprindo seu dever missionário, um bacalhau do Porto direto na fonte, eis que comprar no mercadão está caríssimo. E, afinal, avião e passageiro precisam ser reabastecidos…

Tranquilizantes à parte, o fato é que, depois de anos de faz-de-conta, o botox em Cristina e na economia da Argentina parece estar perdendo o efeito diante do choque de realidade.

Perdendo o equivalente a mais de um bilhão de dólares em reservas, o governo portenho foi obrigado a deixar cair 20% do valor do peso argentino em relação ao dólar. O objetivo principal: baratear preço e vender mais que a vizinhança fraterna, ressuscitando assim suas reservas e sua motricidade, ainda que via drenagem de emergência.

A safra de grãos é a carta na manga e, ao contrário do que diz Dilma, a jogada de los hermanos deve afetar muito o comércio com o Brasil, considerando que a Argentina é o seu terceiro maior comprador, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

Em 2013, os argentinos importaram 20 bilhões de dólares do Brasil – 8% do total das exportações brasileiras no ano – equivalentes a quase 1% do PNB brasileiro.

A cassetada argentina machucaria menos se a economia doméstica do vizinho gigante tupiniquim estivesse andando com as próprias pernas, mas não está. A maior parte do setor privado prevê crescimento de menos de 2% para o Brasil em 2014.

Qualquer queda na balança comercial brasileira pode enfraquentar ainda mais o real – suscetível como as demais moedas dos mercados emergentes – já atordoado pela decisão recente do US Federal Reserve em reduzir seu programa de compra mensal de títulos, pelo qual vinha injetando 85 bilhões de dólares na economia americana desde 2012, visando compensar o desemprego e manter o poder de compra do Tio Sam.

Em janeiro despendeu 75 bilhões e em fevereiro deverá cortar mais 10 bilhões de dólares, acompanhando o crescimento dos números do mercado de trabalho.

Apesar do aumento do emprego e da renda, pode significar menos dinheiro no bolso do comprador americano de importados – brasileiros ou não – que a sincronia generalizada da estatística não harmoniza necessariamente com o indivíduo.

Como a inflação se alimenta de dólar forte e moeda local fraca, dado que se importa, o Banco Central já anunciou em meados de janeiro novo aumento de meio ponto na taxa referencial de juros, que – meio aqui, meio ali – promete bater nos 11% em 2014.

Apesar de superávits orçamentários pinçados a dedo pela ufania que vigora, o déficit global do orçamento federal brasileiro cresceu 3,3% do PNB – o mais alto desde 2009.

80% dos 77 bilhões de reais do superávit primário divulgado no final de janeiro vêm dos leilões da infraestrutura e das concessões de energia, dos dividendos das estatais e da procrastinação de pagamentos.

A conta “restos a pagar” – superior a 50 bilhões de reais – não é a “conta do Abreu” e, portanto, não supõe adiamento infinito.

Como prometeu fazer Dilma Roussef, é preciso que prestemos atenção aos efeitos e às causas dos problemas de Cristina Fernandez: eles podem nos ensinar como minimizar ou até nos livrar dos nossos, antes que seja tarde…