A comunidade jurídica já foi mais cônscia de que valores existem que não podem ser olvidados. Dentre eles, o reconhecimento dos atributos pessoais de próceres que possam servir de modelo para as novas e futuras gerações. De tempos para esta data, a voragem do tempo e a mutação profunda dos costumes sociais não tem permitido o cultivo do passado. Investe-se mais na tática das homenagens aos detentores atuais do poder, do que em reverenciar os que se foram. Os vultos responsáveis por relevantes conquistas em todas as áreas das ciências do direito já não merecem aquele culto que um dia se prestou aos que já deixaram este plano terreno.
Houve tempos em que a partida de um grande jurista comovia a comunidade e inúmeras vozes se faziam ouvir para o lamento laudatório. Hoje, o atropelo dos factóides parece debilitar a capacidade de exprimir emoções. São tamanhas as requisições destinadas aos viventes, que não há tempo para chorar os mortos.
O BRASIL perdeu dia 15 de fevereiro último um dos maiores magistrados que o Judiciário já produziu: o Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, que judicou no STJ desde 1989, até o trágico AVC que o impediu de presidir o Tribunal da Cidadania. Ingressou na Magistratura mineira por concurso, aos 27 anos, depois de ter sido advogado e promotor. Percorreu todos os estágios da carreira e desde cedo observou que a Universidade não produz juízes. Oferece à sociedade, no máximo, bacharéis em ciências jurídicas. Mas exercer a jurisdição carece de formação. Daí a imprescindibilidade das Escolas da Magistratura, a única real revolução do Judiciário no século XX.
Criou a Escola Judicial “Desembargador Edésio Fernandes”, do TJMG e depois impulsionou a criação ou a consolidação de inúmeras outras Escolas de Juízes no Brasil e na América Latina. Foi Diretor da Escola Nacional da Magistratura, que dinamizou e fez relacionar-se com as congêneres de todo o mundo. Incentivou a elaboração de uma doutrina de preparação e formação de Magistrados, procurou dotar o Judiciário brasileiro de pensadores e humanistas que deixassem o ranço do tecnicismo e da anacrônica tradição medieval, mas acordassem para as urgentes necessidades contemporâneas.
Na visão do Ministro Carlos Velloso, o Judiciário que o Ministro Sálvio propôs estaria afinado com os grandes temas contemporâneos, jurídicos e metajurídicos, e estaria adequadamente formado para um enfrentamento eficiente. Pois “é isto e muito mais do que isto que o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira preconiza, ele que é autor de leis processuais que têm concorrido para o desemperramento da máquina judicial. Sálvio tem-se revelado, além de juiz notável, primoroso nos julgamentos, autêntico líder da magistratura brasileira. E sua liderança tem levado grande número de juízes a adotar posições que aperfeiçoam a função jurisdicional e melhoram o acesso à Justiça” (apresentação do livro do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, O Juiz – Seleção e Formação do Magistrado no Mundo Contemporâneo, Ed.Del Rey).
Predestinado a liderar, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira foi responsável pela grande revolução do processo no Brasil e exportou sua experiência para a comunidade lusófona, onde era muito respeitado. Sabia agregar, era admirado, estimado e verdadeiramente venerado. Tanto que existe até mesmo uma associação denominada SAS – Sociedade dos Amigos do Sálvio. Privar de sua amizade era constatar que o mineiro de Salinas conservara as tradições do interior das gerais, mantinha a verve humorística, cultivava a música e as artes. Levava a sério essa eleição afetiva que é a escolha dos parentes do coração, que são os amigos.
Esse homem que dispunha de tanta autoridade e merecia tamanho respeito, que conseguiu levar para o STJ quase todos os quadros que conheceu e entendeu pudessem bem servir à Justiça brasileira, deixa um legado que somente a posteridade saberá reconhecer, pois a proximidade da perda, ao aturdir os que o conheciam, impede apreciação serena do alcance de sua obra em benefício do aprimoramento da Magistratura brasileira.