Fico abismado com a aparente insensibilidade do que resta em termos de lucidez brasileira, quanto à situação da Justiça. O CNJ anuncia que em 2012, tínhamos 90 milhões de processos em curso. Ora, se criança em tese não litiga e se em cada processo temos ao menos dois litigantes, teríamos a situação dramática de um Brasil em litígio? Todos estão processando ou sendo processados ou ambos simultaneamente?
É claro que esse número é falacioso. Extraia-se desse total o correspondente às execuções fiscais. A redução será sensível. Elimine-se o montante de ações em que o Estado – União, Estado-Membro, Municípios, autarquias e outras exteriorizações – for parte e chegar-se-á à quantidade aproximada dos conflitos em curso. Aproximada, porque muitos desses processos não acolhem verdadeiras controvérsias. São questiúnculas que poderiam ser resolvidas mediante diálogo ou acerto direto entre as partes.
A ser verdade que o Brasil inteiro litiga, como os números salientam, a conclusão seria trágica: a sociedade brasileira está enferma. Pois não é normal existir esse grau de litigiosidade posto à apreciação dos Tribunais. A patologia estaria a merecer outros remédios, que não a multiplicação dos cargos de juiz, de promotor, de defensor, de todas as demais carreiras jurídicas.
A judicialização exagerada é um sintoma de anomalia grave. Teria a sociedade perdido a capacidade de assumir suas responsabilidades e de espontaneamente solucionar questões para as quais é desnecessário o recurso ao Judiciário? Pior ainda: a Justiça não está sendo instrumentalizada exatamente por quem não tem razão?
O infrator, não apenas o delinquente, mas aquele que deixa de cumprir suas obrigações na ordem civil, teria descoberto uma fórmula de se safar definitivamente ou ao menos de prolongar ao infinito a necessidade de responder por seus atos. Essa fórmula é entregar o problema à Justiça. Num país com 4 instâncias, quase cem tribunais, 17 mil juízes e 90 milhões de processos, não é tarefa impossível conferir um prazo que a sensatez nunca ofereceria àquele que tem de acertar contas. É a Justiça atendendo a uma finalidade completamente antagônica às finalidades para as quais preordenada. Urge que o brasileiro consciente reflita sobre isso.