A opressão do relógio

Grande parte da atividade humana é baseada no tempo medido em horas e minutos.

Time is money! E dinheiro é tudo que precisamos pra ser feliz…

Insistimos em dividir nosso dia em frações quantificáveis: as horas, os minutos e, em alguns casos mais extremos, os segundos.

Tais capatazes autoimpostos determinam quando tarefas devem começar e acabar, obrigando-nos a bater o ponto o tempo todo.

É um sistema ao qual nos familiarizamos mais e o que mais faz sentido na economia – e na vida – moderna, mas nem por isso nos faz mais felizes.

O tempo baseado em hora e nas frações que a compõem é consequência da rotação da terra, que faz nascer e se pôr o sol.

Contudo, a hora de 60 minutos é totalmente arbitrária. É um desmembramento antinatural do dia. Um legado da matemática babilônia que se invocou com a base 60 e da preferência dos egípcios pela dúzia no mostrador do relógio.

Se nossos ancestrais tivessem usado a base 10 – como o fazemos em quase tudo – a hora que conhecemos duraria 20% mais…

A importância da medição do tempo gasto em tudo que fazemos virou moda a partir do americano Frederick Winslow Taylor, um ex-torneiro mecânico dedicado ao seu torno, que estudou, tornou-se engenheiro e publicou “The Principles of Scientific Management”, em 1909.

Taylor pregava a análise científica e o levantamento do tempo consumido pelas diferentes tarefas executadas pelos operários, ou seja, os gerentes de produção deveriam medir quanto demoravam as diversas etapas do trabalho dos seus funcionários e determinar o tempo ideal de cada uma.

Uma vez encontrada a forma mais rápida, tornava-se norma a ser seguida por todos os demais trabalhadores.

Embora a versão original do Taylorismo acabasse se mostrando muito rígida para a sociedade moderna, sua essência de valorizar a hora trabalhada ainda permanece, eis que a maioria – em todos os níveis profissionais – prefere ser remunerada pelas horas que o trabalho demanda.

A maldição da hora é que pesquisas têm demonstrado que, para uma grande parte de trabalhos e quaisquer níveis de remuneração, os horistas-masoquistas trabalham por mais tempo e se importam menos com o lazer.

Sofrem mais estresse quando estão de folga e se preocupam mais com a falta de trabalho do que os não-adeptos ao tempo é dinheiro.

Férias – angústia suprema! – representam perda de dinheiro e qualquer atividade fora do trabalho e, portanto, não paga por hora se traduz em mais suplício.

Tais estudos também revelam que o problema é mais grave entre aqueles que ganham mais, porque o seu tempo é mais valioso e, assim, menos desperdiçável…

Ocorre que nada admirável acontece pelo simples passar do ano ou do mês – e o que se pode dizer do transcorrer da hora ou do minuto?

O relógio não há de ser a única forma de organizar atividades – e muito menos de definir comportamento.

É possível conciliar melhor deveres e direitos e harmonizar a obrigação do trabalho com a necessidade do lazer, procurando o prazer em ambos.

Considerando-se que a vida é uma atividade que despreza o tempo, poder-se-ia optar pela simplicidade da empreita, na qual continuaríamos fazendo as coisas, os sonhos e os planos até que terminem, não importa se tomam horas, dias, meses ou anos.

Se não, continuaremos a viver, afobados, com a noção de que o tempo é curto e urge, o que nos leva, inexoravelmente, à conclusão de que não vivemos.

E a esperança, que acredita na vida eterna – com ou sem reencarnação – vai, cansada e vã, aos poucos aumentando a sua religiosidade e se transferindo para a eternidade…