Os juros – e as juras! – do banqueiro

Agiota é, segundo o dicionário Aurélio – ou o Webster’s, que aqui o chama de ‘shark’, talvez pela predação – todo aquele que, entre outras coisas igualmente deploráveis, também “empresta dinheiro a juros exorbitantes”. Logo, o que o diferencia de banqueiro é só o tamanho do ‘spread’…

O ‘spread’, esse jargão ‘separatista’ que enevoa e confunde, não passa de versão sofisticada (camuflada?) do lucro, o qual deveria ser, a grosso modo, a legítima remuneração de quem compra e vende qualquer mercadoria ou serviço. Em outras palavras, e no caso dos bancos, trata-se da diferença entre o que se paga pra ‘comprar’ dinheiro de quem o tem – aqui, a figura do comprador convencional é substituída, com maestria, pelo ‘canto da sereia’ – e revendê-lo na forma de ‘empréstimo’ a quem precisa.

Motivado pela celebração generalizada das progressivas reduções de juros no Brasil, e desconfiado com o ‘ar filantropista’ de que tais gestos têm se revestido, resolvi, feito São Tomé, fazer um exercício de ‘tira-teima’ direto no meu computador pessoal.

E decidi representar, com a devida vênia, todos aqueles que, como eu, conseguem, ainda que quase nus, atravessar a porteira da ‘fortaleza’, pegar a senha e finalmente sentar à frente do gerente pra contar sua “triste” história…

Assim, fazendo o meu “home banking”, comparando os dados divulgados aos correntistas –  pintassilva já no alçapão – do “Banco do Brasil” e do “Bank of America”, cheguei à seguinte constatação:

Depois dos alardeados cortes, o banco do Brasil ( o próprio)  cobra do ‘Alfredo’, se ele se ‘distrair’ e ‘estourar a conta’, na “conta especial”, na modalidade “bom pra todos”, porque é “pra você”:

8,08% ao mês (154,06% ao ano), que vira “CET – Custo Efetivo Total” de  8,66% (ou 174,82% ao ano);

O banco da América, menos generoso, não dá essa ‘chance’ ao ‘Alfred’, mas faz empréstimo pessoal a partir de 7% ao ano, que vai subir na razão direta da sua (dele, ‘Alfred’) necessidade .

O cartão de crédito do banco do Brasil (‘modelito básico’) tem anuidade de R$45,00 e taxa, após carência, de 2,94% ao mês, conforme a tabela “bom pra todos” (ainda bem que não é só pra mim…);

O banco da América, à mercê da competição inclemente que (ainda) tem assolado o setor financeiro americano, oferece o cartão de crédito sem anuidade, com 1% de devolução dos gastos gerais, 2% do supermercado e 3% do combustível (estes dois últimos alternando trimestralmente com outros tipos de despesas, limitadas em torno de l.500 dólares por trimestre). As taxas variam de 12,99% a 20,99% ao ano, na razão inversa da capacidade de pagamentro.

No banco do Brasil, o carro financiado e alienado vai custar de 1,27% a 2,82% ao mês, por até 5 anos. Se conseguir arrancar e trazer o financiamento do banco concorrente, as taxas vão de  0,95% a 2,65% ao mês (ah, a concorrência!);

No banco da América, o automóvel – se vencida a competição com as financeiras do fabricante – custa, novo e devidamente alienado, 2,69% ao ano por até 5 anos, ou 3,04% ao ano se ‘esticar’ o prazo de pagamento pra 6 anos. Já o usado, se aceito, custa 2,89% e 3,24% ao ano, pra 5 ou 6 anos, respectivamente.

Na alienação do imóvel próprio, o banco do Brasil cobra de 1,52% a 1,60% ao mês por até 15 anos;

O banco americano oferece 6,54% ao ano, por até 25 anos.

No geral, ambos os bancos têm tarifas que variam similarmente na razão inversa da precisão do cliente, com tabelas “bom pra todos” ou não…

Considerando a remuneração oferecida – o banco americano paga, líquido, 0,45% ao ano pra títulos de renda fixa com resgate depois de 1 ano, e de 0,05% a 0,30% ao ano à poupança a partir de 100.000 dólares, e o banco brasileiro, pelo menos, dez vezes mais ao ano, seja poupança ou renda fixa – versus os juros e taxas cobrados aqui e lá, deduz-se, fazendo as contas, que esses banqueiros tem um ‘spread’ enorme, perigosamente próximo daquele agiota definido pelo ‘Aurélio’ no ‘caput’ desta crônica!

Destarte, percebe-se que os bancos, do Chui ao Oiapoque, ou de Key West à gelada Barrow no extremo norte do Alaska, procuram praticar a mesma reciprocidade cínica de atrair o capital de quem mais tem pra imobilizar, oferecendo-lhe vantagens de que não precisa – e nem as usa!

E nada se perde em nenhuma ‘transação bancária’, eis que, no frigir dos ovos, os mais necessitados pagam por esse privilégio (ou “isenção de tarifa”) que não têm!

No Brasil, já foi muito pior pros ‘alfredos’, quando a moeda circulante, apelidada de “movimentação financeira”, não podia se mexer, sob risco de ser penalizada.

Na América, já foi melhor para os ‘alfreds’, porque agora o banqueiro brasileiro, de maior ‘sucesso’, e objeto da inveja dos colegas de fora, virou modelo internacional.

Para o americano comum, como para qualquer outro, existe a opção, até certo ponto mais temerária, mas fortemente arraigada na cultura e mais estimulada por ‘Washington’, de fugir pra ‘Wall Street’, para onde até os recursos equivalentes ao FGTS brasileiro (os chamados “401”) são destinados.

Contudo, tanto os ‘alfredos’ do Brasil – eterno “país pobre” por mais que enriqueça! –  ou os ‘alfreds’ dos ‘USA’ –  eterno “país rico” por mais que empobreça! –  como todos os demais assemelhados, estão, mais do que nunca, por sua própria conta e risco.

Quanto às elogiáveis recentes medidas brasileiras, embora os juros não tenham caído como avião russo – eu vi no meu “home banking!” – é um bom começo, e a galera altamente ‘endividável’ agradece…