A população marginalizada que invade áreas de risco e aquelas destinadas à preservação, pois ambientalmente vulneráveis, é uma relevante questão contemporânea. Mas isso é bem antigo. No Rio, cidade de 300 favelas, a ocupação indiscriminada dos morros que deveriam permanecer incólumes intensificou-se com a reforma urbanística do Prefeito Pereira Passos.
Inspirado em Haussmann, que transformou Paris na “Cidade Luz”, ele mandou derrubar cortiços e o material foi levado pelos pobres para as encostas. Começou a favelização. Janice Perlman, americana que pesquisou durante dez anos a marginalidade brasileira, escreveu “O Mito da Marginalidade: Favelas e Políticas no Rio de Janeiro”, em 2002. Depois de conviver com os favelados em vários núcleos, entrevistando mais de seiscentos dentre eles, ela concluiu que a remoção pura e simples não é solução.
Isso porque 60% dos removidos ainda trabalhavam na zona sul e tinham problemas de transporte e moradia. A partir de sua acomodação em casas populares, precisavam pagar água, luz, imposto e não tinham condições de satisfazer tais obrigações. 70% dos removidos responderam que, se pudessem ter optado, jamais teriam saído da favela 4 anos antes. As relações de vizinhança e a vida em comunidade pobre, mas solidária, na antiga favela, tinham sido desmanteladas.
É incrível como o pobre é mais solidário do que o rico. Ou aquele que, por ter dinheiro, se considera afortunado. Dinheiro, quanta vez, é mais pernicioso do que droga. Irmãos se digladiam, não se olham mais, filhos querem a morte dos pais por causa de dinheiro. A pobreza quase sempre une mais as pessoas. Quem tem pouco, ainda reparte aquilo que tem com quem nada possui. O que funcionou mesmo no Rio foi a chamada “Cruzada de São Sebastião”, liderada por D.Helder Câmara na década de 50.
O projeto consistiu em radicar as pessoas da favela no lugar por elas escolhido. Quando os interessados participam, fica mais fácil a adaptação. O outro modelo, imposto na década de 60 por Carlos Lacerda, consistiu na erradicação da favela da praia do Pinto e na transferência da população para uma cidade nova. Exatamente a famigerada “Cidade de Deus”, que gerou um filme premiado em Cannes. Deu certo?