Estudei o ano todo de 2011 para elaborar o livro “Direitos que a Cidade Esqueceu”, editado pela Revista dos Tribunais. Estou convencido de que os problemas brasileiros são urbanos. A população foi seduzida para vir à cidade e aqui se acomoda como Deus – e a sociedade inclemente – permitem. Há cada vez mais pessoas morando nas ruas. E isso é inconcebível. Rua não é moradia digna.
Para elaborar esse ensaio, debrucei-me sobre inúmeros outros livros. Mas alguns deles, só tive acesso depois de publicado o meu. É o caso de “A cidade na incerteza: ruptura e contiguidade em urbanismo”, de Sérgio Ferraz Magalhães, editado em 2007.
Ele parte de um esquema teórico: na matriz horizontal, distingue as cidades entre “modernas” e “contemporâneas”. Na vertical, distingue as dimensões espacial e política. A “cidade moderna” é enquadrada nos modelos de perfeição, à luz de utopistas como Fourier, Considérant, Godin e Owen. A “cidade contemporânea” reúne modelos de incertezas em que a dimensão política reflete urbanidade e diversidade, graças a uma construção “compartilhada”.
Em lugar da ruptura da cidade moderna, surge o conceito de “contiguidade”, essencial para trabalhar a cidade. O conceito implica uma concepção de simultaneidade e de espaço aberto e permanentemente remanejável. Surgem ocupações espontâneas – favelas – mas também planejadas – construções de equipamentos públicos. Cada “inserção” traz consigo um momento de incerteza, podendo ou não “dar certo”. As estruturas preexistentes se redefinem, rearranjam, se adaptam e compartilham os espaços preexistentes.
Não é só teoria. O autor propõe compartilhar espaços na diversidade e tolerância, algo que acarreta incertezas, conflitos, desigualdades. Supera-se a “cidade partida” de Zuenir Ventura, aceitando-se e integrando-se a diferença. Graças à noção de “contiguidade”, podem ser buscadas soluções para os mais diversos problemas, a fim de se garantir a urbanidade e a convivialidade dos que são diferentes.
Se a pobreza e a riqueza partilham do mesmo espaço, a contiguidade traz a obrigação de conviver e não de segregar. Isso é um lento trabalho de edificação de uma nova concepção de convívio urbano. Mãos à obra, edificadores do futuro.