Ser ou parecer?

Diz-se que Júlio César justificou sua separação da segunda esposa, Pompéia, declarando: “A esposa de César deve estar acima de qualquer supeita”.
 
A Cícero, respeitável e inclemente adversário político de César no Senado Romano, é atribuída a frase: “Não basta a mulher de César ser honesta; é preciso parecer honesta”.
 
Como naquele tempo ainda não havia a Betty Friedan e a sua Organização Nacional pelas Mulheres (NOW – National Organization for Women), quanto ao imperador-marido não havia dúvida: ele parecia o César e pronto…
 
Aparentemente, nos comportamos como se tivéssemos duas caras pra mostrar e duas vidas pra viver – as do ser e as do parecer.
 
Duas caras, é possível: a do espelho e a da máquina de raios x; mas, vidas?
 
É interessante observar como podemos nos comportar de maneiras opostas quando estamos no carro, sendo agressivos, e quando descemos dele, sendo corteses…
Quando estamos entre amigos, brincando – ou no chuveiro, cantando – e quando, com estranhos, parecendo ser sérios…
E como nos fascina a ficcional prevalência do bem e do amor daquele filme no ‘escurinho’ do cinema, e como ‘nos recuperamos’ instantaneamente no acender das luzes!
 
Provar ser o que não parece ou parecer o que se não é depende da gratificação – ou da punição – que é oferecida pelos demais.
Criar uma imagem favorável – ou desfazer a desfavorável que deixou criar – tem se apresentado como um grande desafio do homem como ser, desde que começou a se enturmar e passou a parecer, com suas vantagens e desvantagens.
 
Hoje, a sociedade brasileira julga os ‘aloprados adestrados do Lula’ – pelo menos, é o que parece…
 
Os pareceres dos julgadores da Ação Penal 470, alcunhada de mensalão, têm sido acompanhado ao vivo e em cores por milhões de esperançosos brasileiros que confiam no “pega-ladrão!”.
 
Eu também, como brasileiro ‘roxo’ – às vezes, de raiva! – estou confiante, com as evidências que se me mostram.
 
Porém a minha esperança perdeu um pouco da audácia ao ouvir o parecer do revisor, Ricardo Lewandowski, onde não lhe causa espanto alguém – ou melhor, a esposa de alguém! – retirar, “às claras”,  R$50.000,00 na ‘boca’ do caixa…
 
A mim – cidadão ordinário – sempre foi pedido por qualquer banco, com insistência que intimida e força a anuência, fazer um TED ou cheque administrativo, no que tenho concordado, menos pela pressão e mais pelo pequeno tamanho do meu bolso e pelo aviso colado nas minhas costas pelo comparsa do ladrão que espera por mim lá fora…
Millôr Fernandes – aparentemente um sábio que preferia a comédia – costumava dizer que “é o cofre que desperta no homem o arrombador”, uma variação do “a ocasião faz o ladrão”, fraqueza humana habilmente explorada pelos comerciantes quando nos bloqueiam com displays carregados de produtos e nos empurram goela abaixo a chamada compra por impulso.
 
Contudo, eu acho que a certeza de não ser punido estimula o roubo ainda mais!
 
E, não sei bem porque, comecei a pensar em pizza ‘caprina’, feita de picadinho de bode expiatório…
 
Que os ministros do STF, a nossa corte e esperança supremas, consigam julgar, destemidamente, com sabedoria e isenção – e que a sociedade como um todo aprove – como cabe a um juiz que se preze e possa ser chamado de excelência, nem que seja preciso misturar realidade e ficção!