O triste papel da lei

O Brasil ainda vive o fetiche da lei. Herança kelseniana, o positivismo exacerbado que pretende encerrar o fenômeno jurídico em uma só face? Já foi esquecida a soberba lição de Miguel Reale, que premiou a humanidade com a sua genial Teoria Tridimensional do Direito?

Para o jusfilósofo paulista, o direito é um fenômeno de três faces: fato, valor e norma. Todas elas essenciais. Diante de um fato, incide um valor, cultivado pela sociedade num determinado momento histórico. A norma correspondente só pode refletir a coerência entre o fato e o valor.

Sob essa ótica, a lei é um dos elementos do Direito e não pode ser o mais importante. Até porque, se o valor oscilar, a norma também sofrerá modificações.

Isso é a rotina e todos os profissionais da área do direito conhecem e não estranham as mutações que a normatividade enfrenta no curso da História. Entretanto, para quem não é fácil penetrar essa realidade, a lei continua a ser o único parâmetro, a exclusiva medida de comportamento. Não são poucos os problemas que derivam dessa estreita compreensão do papel da lei.

Um autor de quem hauri muitas lições e que continua atual é Jean Cruet. Ele escreveu o livro “A vida do direito e a inutilidade das leis”. A epígrafe da obra é eloquente: “Sempre se viu a sociedade modificar a lei; nunca se viu a lei modificar a sociedade”. O Brasil é um atestado evidente dessa verdade. Aqui há leis “que pegam” e leis “que não pegam”.

O excesso de leis, o excesso de formação jurídica, o excesso de profissionais do Direito nem sempre têm atendido à vocação que as Ciências Jurídicas deveriam satisfazer: instrumental de resolução de problemas. Ferramentas de reduzir a infelicidade que recai sobre todo ser humano, pois a vida é peregrinação. É sofrimento. É vale de lágrimas.

O Direito precisa servir para atenuar essa carga angustiante e, quanta vez, desesperadora, principalmente em crises duradouras, aparentemente permanentes, o que desalenta o indivíduo e entorpece a sociedade.

Vamos revisitar o Direito e fazê-lo servir ao homem, longe de se converter num equipamento institucional hábil a afligir ainda mais quem, por já estar aflito, procura se socorrer da porta da esperança chamada Justiça.

Fonte: Jornal de Jundiaí | Data: 19/06/2016
JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. E-mail:imprensanalini@gmail.com.