O tutor do cidadão

Não é exagero apelidar o Estado contemporâneo de “tutor do cidadão”. O que seria uma contradição em termos, pois “cidadão” é o nacional provido de direitos políticos. Ou seja: um indivíduo que tem condições de gerir a coisa pública, de influenciar os destinos da sociedade adquire o “status civitatis”.

Quem não titulariza essa prerrogativa não é cidadão. E não poderia existir, conceitualmente, um “semi-cidadão”, ou um “cidadão de segunda categoria”, assim como não existe, na natureza, o estado de “quase-gravidez”.

Mas o que ocorre em alguns Estados emergentes é a volúpia do poder em se apropriar de todas as instâncias, mesmo aquelas de foro íntimo da cidadania. Os passos iniciais parecem sedutores.

Acena-se com a profusão de direitos. Prodigaliza-se a concessão de direitos, converte-se todo e qualquer interesse em “direito fundamental”, até com o risco de trivializar tanto o conceito, que se chega a uma situação paradoxal: se tudo é direito fundamental, ele perde o seu grau superior diante dos demais direitos não essenciais.

Sempre a pretexto de defender o cidadão, estipula-se um regramento minucioso de sua conduta pessoal, familiar, política e social. Tudo está previsto numa rede pormenorizada de normas, editadas todas com o intuito de propiciar uma situação favorável à fruição dos direitos e interesses cidadãos.

Nelson Motta, jornalista, escritor, compositor, produtor e crítico musical, detectou recentemente a tendência do Estado de se converter em “tutor do cidadão”. A tutela se exerce sobre menores que não têm ainda personalidade jurídica suficiente para gerir seus interesses.

Indagado a respeito, respondeu: “Eu detesto isso. O Estado não tem nada a ver com a forma com que você vai cuidar do seu filho, o que ele vai comer, a sua vida sexual, os remédios que você toma, se você quer se matar, se quer comer gordura. Você tira das pessoas a capacidade de se responsabilizar pelas suas atitudes. Assim, as pessoas nunca vão se responsabilizar pelo candidato em que elas votam, pelo mal que elas fazem a si mesmas e pelo mal que causam aos outros. É um contexto que acaba infantilizando o indivíduo” (entrevista na revista Diálogo, nº69).

Também acho isso. Inclusive em relação à Justiça, com seus quase 100 milhões de processos. Muitos dos quais poderiam ser resolvidos mediante diálogo, se as partes se portassem como adultas.