1968 e outras histórias

Esse o nome do livro de Caetano Lagrasta, lançado exatamente no mês em que ele deixa o Tribunal de Justiça, ao qual dedicou décadas de trabalho e genialidade. Vê-se que Caetano é genial, pelo teor de seus contos. Todos eles fazem pensar. Sua linguagem cáustica e direta não encontra barreiras. As coisas têm o seu nome comum, nem remotamente recordam o “juridiquês” da Magistratura.

 

A narrativa enxuta parte de focos múltiplos. Em “Fronteira” o ângulo é o  da prostituta. Depois é o mendigo que “leva a rosa à boca, mastigando-a com a obscenidade característica das gengivas desdentadas”. A melancólica decadência da figurante em “Maria Stuart”, a quem o teatro e a vida reservam papel insignificante. A rotina dos domingos pobres e o afeto recolhido de quem tentou se aproximar do alvo oferecendo sanduíches que permaneceram intocados são contos de angustiante intensidade.

Gostei particularmente do “Gato”, eloquente descrição do sentimento que não raro vincula o racional ao irracional. Lembra um conto de Poe, em que o mesmo felino foi emparedado junto com a mulher assassinada. Algo mais triste do que o zelador de WC e sua vida descolorida? O sumiço do recorte que lembrava a filha morta, o realismo fantástico da fábrica de cubos, metáfora ao Tribunal que Caetano tão bem conhece e que tem contraponto no “Prelúdio e Fuga”. O “Diário da Peste” faz lembrar alguns dos sentimentos que permeiam o relacionamento entre os detentores de uma quirera – uma parcela mínima – de autoridade. Qual a exercida pelo Embaixador sequestrado e, finalmente, a ode à morte, que acaba engolindo a agonia desesperada.

 

Caetano Lagrasta é um contista que não transige com a crueza da vida real. Não edulcora as sensações. Seus personagens são atormentados, experimentam as vicissitudes reservadas aos miseráveis, criaturas frágeis e efêmeras que todos somos. Merece leitura meditada, mas precisaria ser primeiramente lido por aqueles que se consideram primícias, tão especiais que insubstituíveis e que pensam viver até o infinito. Coisa que, felizmente, não ocorre no universo da Justiça.