O papel da imprensa “sem-papel”

Na era da cibernética “wireless”, diante da interação à força e  sem-fio entre as pessoas, a imprensa em geral ainda tem papel: o de desinformar…

O único objetivo jornalístico destes nossos dias parece ser o de fazer a matéria virar furo e o furo se tornar viral. Se algum interessado quiser informação de alguma utilidade, que vá garimpar na Internet, no site da Wikipédia, aproveitando pra fazer a doação que lha permita sobreviver!

A informação séria – ilha submersa que só fica visível na maré baixa do oceano virtual de bobagens muitas vezes perigosas – passou a depender do autoserviço e do donativo.

E a situação chega ao ridículo quando a mídia oportunista e popularesca se propõe a exercitar a profecia como entretenimento da massa de moços, de carona na história real – parecendo serviço de utilidade pública – papel ainda mais difícil de tragar pelos não-moços como eu.

Uma boa ilustração de tal performance foi o artigo que li no site de um grande jornal, na sexta-feira 13, em alusão aos 45 anos do famigerado AI-5.

Nele, o autor – provavelmente muito moço – me informa asdez coisas que eu não poderia fazer se o AI-5 estivesse em vigor…

Conta-me, cartomante louvador das benesses que hoje temos, que eu não poderia usar as redes sociais, acessar qualquer conteúdo na Internet e muito menos ter um blog.

Entusiasma-se, como um Nostradamus ressurrecto e desinformado, e me diz que eu não poderia andar em grupo pelas ruas, protestar, cantar e ouvir músicas com conteúdo politico, fazer greve, falar mal do presidente, ou nem mesmo festejar.

Quem disse, mesmo, que eram bons aqueles velhos tempos, se comparados com estes novos?

Sem pretender aqui me aprofundar filosoficamente nos conceitos de liberdade positiva e liberdade negativa do alemão Isaiah Berlin publicado na década de 50, bem como de outros pensadores de séculos anteriores nos quais ele se baseou, entendo que a liberdade de um indivíduo não pode cercear a de outro – e muito menos a sua vida! – como acontece, com outros nomes, em número e banalidade inadmissíveis, nestes dias livres da democracia no Brasil, onde ainda uma vida digna não é prerrogativa de todos os seus cidadãos.

É evidente o propósito de servir aos políticos da hora demonstrado na publicação desse artigo, mas respeitem-se os leitores!

Somente uma audiência órfã e ingênua – se não estúpida! – e de tão tenra idade que não tivesse ouvido falar de Beatles e Rolling Stones – e nem da história da juventude de seus pais hoje sexagenários – poderia imaginar tal purgatório.

O Ato Institucional número 5 (AI-5) – exceção restritiva abominável em qualquer democracia que se preze – foi implantado em 1968 e extinto em 1978, pelo próprio regime militar, e, basicamente, dava mais poderes ao Executivo autoestabelecido em detrimento do Legislativo eleito pelo voto, façanha que o governo petista de hoje, também eleito pelo povo, tem feito mais e melhor com seus conchavos na Câmara e no Senado tupiniquins; e as greves e passeatas atuais têm tido menos sucesso do que aquelas de metalúrgicos e bancários sob a ditadura, que, alegadamente, as coibia…

O exercício profético do nosso Nostradamus se revela ainda mais arriscado quando se considera o fato de a Internet ter começado – mal e porcamente – nos anos 1990, e o Facebook ter nascido 20 anos depois das “Diretas Já”.

E o Twitter e o Youtube são ainda mais novos!

O melhor papel da imprensa – embora predominasse a diversão, em forma de esporte, sexo e fofoca, não necessariamente nesta ordem – sempre foi o de levar aos seus leitores informação e conhecimento que lhes permitesse sair da ignorância e aprimorar o discernimento em suas decisões como cidadãos.

Assim como o rádio fez com o prelo e o vídeo com o rádio, é claro que o advento da Internet e seu acesso quase universal levou a imprensa tradicional a um papel coadjuvante, tendendo ao marron, forçando-a, de certa forma, a se dirigir àquela parcela quase desse universo computadorizado, ou seja, os menos esclarecidos.

Em outras palavras, o jornal da banca ou o virtual explora cada vez mais a estupidez que remanesce.

Afinal, o empreendimento jornalístico de agora, distante do seu vigor sério-lúdico de outrora, concorre – mesmo associado – com bilhões de “jornalistas” do Facebook, do Twitter, do Youtube, dos celulares com apps…

(Será que o Lula e seus correligionários tem alguma razão na sua ojeriza à imprensa, quando mencionam “linchamento midiático”? Não pode ser… Não deveria ser…)