A cada viagem

Quando viajo de carro, sinto-me sempre em casa. Estou no chão firme. Aprecio a paisagem. Gosto do interior. Ali parece que a crise é menos violenta. É só o governo não atrapalhar que as coisas continuam.

Mas quando viajo de avião, não deixo de pensar que se Deus quisesse que voássemos, nos teria dotado de asas. Assim como fez com os pássaros. Fico pasmo, depois de tantas viagens, com o fato de uma tonelagem imensa pairar no ar. Atemoriza-me atravessar o oceano. Como se fosse diferente cair em terra ou no mar. Talvez a vã pretensão de que em terra é possível reconhecer os corpos, mediante um bom exame de DNA. Já no mar! Que o digam Ulysses Guimarães e Severo Gomes, naquele fatídico voo de helicóptero entre o Rio e Ubatuba.

Quando fui ao Japão, nas vinte e seis horas de viagem, só com a parada em Los Angeles, deixei cartas aos filhos, como se fora despedida. Isso foi em 1995 e, graças ao bom Deus, ainda estou por aqui. Tantos mais moços já se foram!

Mas procuro fazer algumas coisas que poderiam ser feitas após à volta, como se não houvesse certeza nela. Escrever cartões de agradecimento, pagar contas, mandar presentes de casamento. Arrumar um pouco minha mesa de trabalho, que já foi chamada de “buraco negro”… O que ali vai se acumulando, nem sempre depois é encontrado.

Inexplicável essa apreensão, para quem se diz crente. Se a vida não é apenas este angustiante estágio, cheio de incertezas, se não me convenço do “big-bang” e me satisfaço com o design inteligente, por que o receio? Não haverá alguém do outro lado a me esperar? Não reverei as pessoas que amei e continuo a amar, porém que já ingressaram na eternidade?

Mas a emoção é muito maior do que a razão. Somos governados por sentimentos, não pela lógica. E assim vamos colecionando nossas manias, nossas idiossincrasias, nossos temores e inseguranças.

Que extraiamos disso mais humildade. O reconhecimento de nossa fragilidade. A desimportância de tudo o mais que não se contenha no essencial: calma, serenidade, vontade de compartilhar bons sentimentos, para trazer um pouco de paz a este mundo tão conturbado.