A cara do Brasil
Qual é a nossa cara?
Há mais de 30 anos o saudoso poeta-cantor Cazuza pedia, aos berros, que o Brasil mostrasse a cara. Em vão.
Ainda não conseguimos deixar claro a nossa identidade, a imagem prevalente que nos define como brasileiros.
Para alguns, somos o povo do samba e do carnaval.
Para outros, o que mais entende de futebol.
Para muitos, o Brasil tem um povo alegre, amigável e hospitaleiro. E as melhores e mais fáceis mulheres…
Mas para a maioria dos observadores distantes, o brasileiro ainda é o velho Joseph Carioca de Walt Disney – preguiçoso, malandro e mais sabido que os outros.
Um bando de crápulas e pândegos de pouca responsabilidade e muito menos credibilidade.
Estereótipos à parte, o fato é que o Brasil, destino americano de grandes emigrações do velho mundo, tornou-se um poliedro com um número quase infinito de faces.
A expressão inglesa melting pot – traduzida no sentido racial como miscigenação – se refere a um pote onde metais ou outros materiais são derretidos e misturados, dando origem a novos elementos (ligas) com características diferentes – umas vezes melhores, outras vezes piores que as qualidades individuais de seus componentes.
É uma conta onde o total não é simplesmente a soma de suas parcelas, mas um novo material fundido e fortemente afetado pelas condições do ambiente extrapote onde se fez o fogo ou se manuseou o maçarico…
Transportando o raciocínio para o terreno politico e a formação da imagem de uma nação, é possível concluir que povo também não é apenas a somatória dos indivíduos, mas a criatura que se consegue sintetizar pela ambição de alguns com o manuseio oportuno da chama, oxigenada pela pilantragem de manipuladores mercenários profissionais.
Ao materializar-se, tal criação – indiferente aos protestos dos indivíduos aprisionados em suas entranhas – elege os seus senhores, os quais escolhem os seus lacaios e a metástese terminal se estabelece e se propaga aos capilares.
Quanto aos doutores da cura e julgadores supremos – que têm que despir a toga aos setenta anos – basta aos ladinos que os nomeiam fazer um simples cálculo aritmético para que tudo se ajuste às circunstâncias e se sincronize com as batidas do malhete-marionete…
O coletivo rebelde, avesso ao fulano e ao beltrano, cria o seu melhor habitat, onde a ladroagem rima, harmoniosa e cheia de graça, com malandragem; a beleza sucumbe à predação; e a esperança dos decentes se submete à esperteza dos pilantras e à falta de escrúpulos institucionalizada.
O safado, agora redimido, é só o aloprado que escapuliu!
Quando os antigos gregos e romanos – que mostraram as caras à história – fundadores da civilização, inventaram a democracia e seus três poderes, designariam aos seus sonhadores mais altruistas a função de criar as leis e estabelecer as regras do convívio entre os cidadãos; os mais capazes e confiáveis cuidariam de sua execução e tomariam conta do cofre; aos mais sábios e virtuosos seria dada a atribuição – como a Salomão – de coibir abusos e corrigir desvios no percurso.
Em outras palavras, o povo – poder maior, especialmente na democracia! – sob nenhuma influência e na plenitude de seu arbítrio, determinaria o seu destino.
Bons – e tão utópicos! – os românticos velhos tempos daquele mundo tão vasto e ao mesmo tempo tão pequeno!
Nesse nosso mundo verde-amarelo de agora, com o supremo poder aparentemente mancomunado com a militância vigente, acho que quebramos a cara.
Só nos resta colocar de novo aquela velha cara de pau, pegar o lança-perfume escondido, dançar um samba-cantada com a Colombina e correr pro abraço em julho – que a copa do mundo é nossa! Com brasileiro, não há quem possa…