Desarmar a consciência

O Brasil da violência é também a República do Estatuto do Desarmamento. À época da edição da lei cujo objetivo era desarmar para reduzir os eventos letais e as lesões causadas por arma de fogo, já se discutia a opção polêmica. Existem os que defendem o porte e o uso de revólveres e similares como instrumento de defesa pessoal. E com boas razões. Há os que são contra as armas. Dentre estes me incluo. Nunca hesitei em afirmar que algo destinado a matar sequer deveria ser produzido. Sei da resistência a essa tese e respeito quem pensa assim.

O que me leva a refletir sobre o assunto é a permanência de problemas que precisam ser enfrentados de maneira mais consistente. Continua-se a matar. A grande maioria dos homicídios é praticada com arma de fogo. Está em vigor o Estatuto do Desarmamento ou não? Como é que estamos cuidando de fazê-lo uma das leis “que pegam”, numa República em que ainda existem leis que “não pegaram”? Será que a intensificação da apreensão de armas não poderia reduzir o número de portadores desses instrumentos mortíferos? Será que a destruição mais rápida das armas apreendidas não diminuiria os furtos ou roubos de grandes quantidades nos depósitos que ainda existem e cujo controle é sempre falível?

São paliativos, que na verdade não eliminam a miserável condição humana de atuar como agente eliminador do semelhante, pelos múltiplos motivos que levam alguém a matar. O melhor seria semear a cultura da pacificação, do convívio harmônico, do respeito pelo próximo. Só que ninguém é detentor da receita de fazer com que as criaturas se reconheçam como seres de igualdade ínsita, identicamente merecedores de tratamento condigno com o status de única espécie racional sobre o planeta. O essencial seria o desarmamento das consciências, para que o primeiro sentimento em relação ao outro fosse o reconhecimento da comum fragilidade de todo e qualquer efêmero peregrino de uma existência que não alcança dez décadas, salvo em raríssimas exceções.

 

Fonte: Diário de S. Paulo | Data: 18/06/2015