Era de se esperar

Conforme se previa, os colossos estruturais edificados para a Copa do Mundo estão produzindo o efeito esperado: enormes prejuízos. Muitas dezenas de milhões acumulam nos dois últimos anos e representam um testemunho a mais da imprevidência brasileira.

O Brasil se comporta como aquele pobre que não quer admitir sua miserabilidade e quer se mostrar remediado para os mais ricos. Gasta sem pensar, para “fazer bonito” e depois seja o que Deus quiser… Lembra bem os apuros em que se meteu o anfitrião do filme “Passagem para a Índia”, não querendo frustrar seus convidados.

Agora estão aqueles imensos espaços condenados à ociosidade. Custando dinheiro ao povo sofrido. Sem perspectivas de aproveitamento útil. Mas restam opções. Oferecê-los à iniciativa privada que sobrevive quando o governo não atrapalha. Alugá-los às confissões religiosas que propalam reunir milhões de pessoas em busca da transcendência, já que a vida real está muito triste.

Promover grandes concursos de ginástica, de banda, de conjunto de rock, rave, punk, música sertaneja, música caipira, ballet, artes marciais, etc. etc. etc. Se tudo isso não der certo, haveria a possibilidade de sua destinação para abrigar os arquivos mortos da Justiça brasileira. Experimentem apurar quanto é que o povo paga para guardar processos findos. Só em São Paulo, são quase cem milhões de processos, que merecem tratamento mais privilegiado do que as pessoas. Pois há inúmeros seres humanos morando em palafitas, sob viadutos, nas praças públicas e nos desvãos dos logradouros. Enquanto isso, os processos habitam ambiente climatizado, armazenados em caixas metálicas e localizados por robôs. Primeiro mundo para papel sem serventia, quinto mundo para as pessoas.

Resta ainda a conversão de todos esses estádios em enormes circos. Retorno à época do final do Império Romano, em que o populacho se satisfazia com o “panis circensis”, para não prestar atenção ao que ocorria na gestão da coisa pública. A única diferença é que o pão está começando a faltar na mesa do pobre. A inflação, que uma geração não chegou a conhecer, está à vontade, embora maquiada, a tirar alimento dos hipossuficientes. Em compensação, há muito espaço e muitos atores para prestigiar as artes circenses.

Fonte: Jornal de Jundiaí | Data: 21/01/2016
JOSÉ RENATO NALINI é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.