O estado da (des)união

O presidente americano fez seu discurso (“State of the Union”) no Congresso na Terça Gorda de carnaval, um dia após a renúncia do Papa – que já pensava na vindoura e esgotante Semana Santa – bem antes que a Europa supusesse que seus hambúrgueres eram feitos de carne de cavalo velho – na mortadela sim, mas no xis tudo?!? – e muito antes que a Nasa soubesse que vinha vindo, sorrateiro, um meteoro – ah, na Rússia tudo bem… Se não, chamariam o Bruce Willis, como fizeram no Armageddon!

Em sua exposição aos deputados e senadores, Barack Obama basicamente culpou os Republicanos – que são maioria na Câmara – por todas as vicissitudes do mundo e se colocou como o grande paladino da classe média oprimida pela ingratidão dos politicos que a mesma elegeu…

Com o imenso desafio de construir um bom legado na última chance de que dispõe, o presidente peitou bravamente os parlamentares, expondo com clareza, algum drama e muito pedantismo, o que pretende que a Casa faça:

–       “Vote não, mas vote, porque o povo americano merece o seu voto!”

–       “Aquelas crianças assassinadas na escola merecem o seu voto!”

–       “O cidadão desempregado – ou mal remunerado – merece o seu voto!”

–       “O imigrante que aqui chegou criança e adotou a América como sua terra natal merece o seu voto!”

–       “Os desamparados pelos seguros de saúde merecem o seu voto!”

Referia-se aos planos de sua administração, que têm enfrentado feroz resistência dos Republicanos, especialmente porque tais intenções devem onerar ainda mais o budget federal, já por demais perdulário.

Com prepotente segurança, embalado pelos votos que lhe autorizaram um segundo, derradeiro e decisivo mandato, Obama revelou, indiretamente, que pretende atrair o apoio da opinião pública pra sua causa como forma de mitigar a resistência adversária às ideias que oferece, pelo que já saiu às ruas logo em seguida.

Suas propostas envolvem temas controversos e que vêm sendo debatidos há algum tempo: aumento de imposto de renda pros ricos, estímulos paradoxais à economia, reforma das leis de imigração e restrição ao acesso – muito fácil por aqui – às armas…

Outros temas apresentados, embora de simpatia bipartidária, envolvem, evidentemente, mais gastos: garantir acesso universal ao ensino pré-escolar, expandir o treinamento vocacional, de capacitação técnica, notadamente nas áreas da Matemática, Ciências e Engenharia, no nível colegial (citou, como exemplo, os programas de especialização técnica alemães…), criar instituições que promovam a indústria manufatureira, e estabelecer programas de crédito de impostos pra estimular a contratação de desempregados contumazes (talvez pensando nas empresas com fraco departamento de recrutamento e seleção, mas com milagreira equipe de treinamento…).

O presidente sugeriu ainda a criação de um acordo de livre-comércio com a União Europeia, bem como a intensificação das negociações para que o Japão participe da chamada TPP (Trans-Pacific Partnership), a criticada parceria de isenção de tarifas com alguns países da Ásia Oriental, entre eles Singapura e Coréia do Sul.

Recomendou também a elevação, até 2015, do atual salário mínimo federal, de 7,25 dólares por hora – considerado baixo pelos padrões europeus – para 9 dólares a hora.

Assim, com o novo salário mínimo, o trabalhador blue collar full time (40 horas por semana), que ganha hoje mais ou menos 1.250 dólares mensais, passaria a receber pouco mais de 1.500 dólares por mês.

América encarou o abismo fiscal (“Fiscal Cliff”) no primeiro de janeiro e se prepara, tensa, para o sequestro (“Sequester”, ou “Obamaquester”, como prefere a oposição), termologia que define um pacote ainda maior de corte de despesas federais, incluindo segurança nacional, a partir do primeiro de março.

Mas, a julgar pela cobiça internacional que ainda vigora – especialmente da minoria abastada de real valorizado – de olho no baixo custo da moradia, da alimentação, do vestuário e do transporte na terra do Tio Sam, o American way of life ainda deve durar um bom tempo.

O presidente deverá enfrentar um embate politico bastante acirrado nesse seu segundo tempo de jogo, contudo tem mostrado muita disposição, e parece esperar que um dia alguma grandma no interior americano conte aos seus netos:

”Era uma vez um Obama bom e um Osama ruim. O Obama bom, depois de matar o malvado Osama, resgatou a América…”