Fé e multiculturalismo

Participei de mesa de debates nas Jornadas de Direitos Humanos promovida pela Escola Paulista da Magistratura, PUC-SP e IASP, sob o tema “Fé e Culturalismo”. Minha participação foi recordar que o multiculturalismo exterioriza uma superestrutura de signos, aquilo que alguns chamam “cultura-mundo”, germinada num tecnocapitalismo planetário, tangido a indústrias culturais tangidas por um consumo total, enfatizado por mídias e redes.

Cultura perdeu alguns de seus significados. Hoje representa a mercantilização integral de seu conteúdo. A culturalização das mercadorias, a culminar numa desorientação cultural. O excesso de informações é tamanho, que sofremos desorganização da consciência, dos modos de vida e mesmo das existências. Sentimo-nos estranhamente perdidos na “errância generalizada”.

Não temos certeza alguma. Perdemos a fé num futuro radioso e sempre melhor. Estaríamos rumo ao “mundo sem alma”? Hoje, parece que ninguém mais acredita em nada. Há uma desconfiança generalizada em tudo o que se vincula à atividade pública. Notadamente a política. Tudo é permitido, nada é proibido, os “achismos” justificam todas as atitudes.

A educação não sabe mais o que transmitir. A incerteza é a única certeza. Onde foram parar os valores nesta nau sem rumo que é a sociedade contemporânea? A realidade é muito mais complexa do que esse quadro sugere. Constatam-se alguns sinais de esperança: a revivescência do religioso. Há espaço para todas as confissões e, desalentados com a falta de acolhida de religiões tradicionais, ancoradas no anacronismo, encontram abrigo em fundamentalismos de toda a ordem.

Depois, não chegamos ainda ao “grau zero de valores”. A capacidade de indignação não se perdeu de todo. Por fim, verifica-se uma solidariedade sem fronteiras. Condoemo-nos da sorte de alguns atingidos pela tragédia e pela dor. A fé ainda tem espaço na hierarquia axiológica da sensatez. Fé como confiança, não necessariamente religiosa. É preciso compreender, participar e superar-se. Compreender mais, participar mais, superar-se. Conciliar o melhor do antigo com o melhor do novo. A desorientação não é o apocalipse. Pode ser oportunidade para revisitar certezas e rumos.