Genoíno herói ou genuíno vilão?

Nenhuma nação que pretenda ser considerada civilizada – mais que democrática – pode ser conduzida por homens, mas por suas leis.

Nas décadas de 60 e 70, a maioria dos brasileiros da chamada “geração Dilma” nos comportávamos de acordo com tais leis, que norteavam nossas crenças – nossos santos e nossos modelos – e as nossas aspirações…

Os jovens estudávamos, trabalhávamos, nos alistávamos no serviço militar – esperando “sair livres” e reclamando da discriminação de sexo, que mulheres “não serviam”.

Sonhávamos e nos esforçávamos pra entrar na faculdade e seguir com nossas vidas, visando construir família e um país melhor pra se viver – e a escola pública permitia, e até estimulava, estes sonhos.

Queríamos aprender a tocar algum instrumento musical pra nos destacar, pra formar um “conjunto” e pra serenata à namorada.

Alguns mais loquazes pensavam em entrar na vida política e, assim, fazer algo pelos demais, a começar pela sua cidade.

O presidente era um general, mas os tribunais e a polícia mandavam os criminosos mais próximos para o “xadrez”, e seguíamos nossa meta poucas vezes incomodados.

Havia, sim, os trogloditas truculentos – como ainda os há e sempre os haverá – e algumas inevitáveis colisões, mas a gente ia levando “legal”.

Usávamos a via pública pra locomoção, até porque existia a concepção de que “ir para a rua” era sinônimo de ócio, que levava ao vício, que deteriorava o físico e o intelecto, conduzindo à perda irreversível do discernimento.

O que de mais houvesse era clandestino e, portanto, mal-intencionado e desprezível.

Para mim – leigo crônico e ainda em progressão em matéria de comportamento humano – aqueles velhos tempos eram simples assim, embora algum petista vá alegar que aquela “paz” aqui insinuada se deveu ao martírio contemporâneo dos seus fundadores.

Aí nos foi dado que havia reis da selva tentando nos salvar…

E pra falar só do neto do senhor lavrador José Genoíno Guimarães, o sertanejo genuíno, consta que o Neto foi aquele que caminhava menino por 14 quilômetros todo dia pra ir à escola primária e, ao mesmo tempo, trabalhava na roça de sol a sol pra ajudar sua família de lavradores.

Um dia, aos 13 anos, quando começava a ter braços pra trabalhar melhor com a enxada, caminhou tanto que foi parar em Senador Pompeu – pelo menos uma dúzia de léguas adiante – onde foi morar com o pároco local.

Passados 5 anos – agora com 18 de idade – largou o padre e foi pra Fortaleza, onde, aos 22 anos, ingressou no PC do B, cujos correligionários pregavam a luta armada contra o governo de então.

Após 2 anos disfarçado de migrante nordestino em São Paulo, vai, em 1970, para Goiás com o objetivo de lutar na Guerrilha do Araguaia, a Jonestown tupiniquim do PC do B.

Foi capturado e preso em 1972, começou a namorar a esposa de mais de quarenta anos, Rioco, quanto estavam presos juntos em 1973, e foi solto em 1977, sendo anistiado em 1979.

Vivo, livre da prisão e da cova – ao contrário da maioria dos seus camaradas e de alguns dos inimigos de antanho – a partir daí, foi só capitalizar a fama, correr pro abraço e pros louros de uma batalha que não ganhou!

Participante ativo de uma espécie de seita que praticava a luta armada, cuja altíssima periculosidade fora inicialmente subestimada pelos militares, José Genoíno, o neto rebelado, teve a sorte de ser capturado no mato em 1972, antes que seus companheiros de guerrilha imputassem, logo em seguida, a primeira morte ao “exército inimigo” – a do cabo Odilio Cruz Rosa, emboscado, morto e deixado insepulto naquele mesmo mato. Tal fato, adicionando-se mais militares assassinados no combate seguinte, escancarou a natureza real do movimento, e, certamente, desencadeou a tática de não deixar ninguém pra contar a história, com todo o arsenal de atrocidades do lado militar, agora potencializado com a ajuda de jagunços, como num filme de cangaço remasterizado

Genoíno, ainda prisioneiro sob tortura, escapou, inexplicavelmente, até da “Operação Limpeza” promovida por Ernesto Geisel em 1975, quando a ordem era apagar todo e qualquer vestígio daquela reprise de intentona comunista!

Com a sua tocante história romântica à la Romeu e Julieta com a amada esposa desempre, quase escapa também a existência da filha que teve “fora do casamento”, no meu tempo expressão mais conhecida como adultério, (im)pura e simplesmente…

Com a recente condenação pelo envolvimento no chamado “Mensalão”, após mais de oito anos de deliberações – e de muito bate-boca! – na Suprema Corte, em pleno governo do seu democrático PT, diz reviver, mais visível e teatralmente, como se concebe na era do Youtube, os velhos tempos de ilegalidade.

Porém, já dá pra perceber que os privilégios em relação a colegas condenados – de ontem e de hoje – continuam, e a vida espartana  que alega ter tido deverá melhorar com o semi-aberto personalizado, com a aposentadoria de deputado, com as pensões da anistia, com as lamúrias cínicas em livros e em veículos da mídia que tanto rechaça, com doações de simpatizantes…

E sobretudo com a ajuda humanitária dos amigos de agora!