Gesto incomum

Já tive oportunidade de escrever sobre a chamada “tática das homenagens”. É a prática bem usual de cultuar o poder. “Rei morto, rei posto” ou “O Rei Morreu! Viva o Rei!”. Assim que alguém atinge qualquer parcela de poder ou autoridade, começa a merecer homenagens. Na verdade, é o cargo que está sendo reverenciado, não o seu detentor.

Há alguns anos, uma pessoa chamada a ocupar um elevadíssimo cargo chegou a comentar comigo o que aconteceria depois de nomeado. Eu disse a ele que o problema seria colecionar títulos, láureas e a prolífica difusão de honrarias com que seria bombardeado, assim que tomasse posse. É o que geralmente acontece. E quem se ilude corre o risco de fazer o papel do “asno a carregar relíquias”. Um conto francês bem divulgado: o asno era ornamentado para levar o Santíssimo na Festa de Corpus Christi. Todas as pessoas se ajoelhavam à sua passagem. Estranhou quando, encerrada a procissão, foi levado à estrebaria e maltratado pelo serviçal. Era para o Sacramento que os fiéis se ajoelhavam. Não para o asno!

Nesse tema, é de causar estranheza gestos de desprendimento como o de Thomas Piketty, autor do livro “O Capital no Século XXI”, um dos best-sellers do ano passado. Recusou-se a receber a “Legião de Honra”, a condecoração máxima concedida pela França. Sua resposta: “Não cabe a um governo decidir o que é honorável”.

Diante da atual crise do governo francês, que guarda alguma analogia com o que acontece no Brasil, diante da prodigalidade com que os direitos foram assegurados, sem fontes de recursos suficientes para fazer face aos compromissos, o autor esperava que o governo se preocupasse com a restauração da credibilidade, não com homenagens.

Thomas Piketty agora se alinha a outras personalidades que já recusaram a Legião de Honra, como Claude Monet, Jean-Paul Sartre, Marie Curie, Albert Camus, Hector Berlioz e Brigitte Bardot. Todos se negaram a aceitar a honraria criada por – nada menos do que Napoleão Bonaparte – e isso em 1802. A busca de gloríolas e de títulos, medalhas e condecorações, é a regra no mundo das vaidades. Mas quem possui valor autêntico não precisa desse fútil e transitório reconhecimento. Piketty acrescentou méritos ao seu currículo.