Há direito ao ócio

Desde 5/10/1988, vive-se um verdadeiro “porre” de direitos! Já se criticou a “Constituição Cidadã”, pela proliferação de direitos em defasagem com os deveres. Essa crítica é inadequada, pois a cada direito corresponde ao menos um dever, na melhor concepção da teoria jurídica.

Mas não está errado quem critica a superabundância de direitos, inclusive os fundamentais. Tudo é direito fundamental e, ao multiplicá-los, corre-se o risco de sua trivialização. Se tudo é direito fundamental, como assegurar sua fruição?

 

O Brasil gasta muito com o próprio Estado, esquecida a sua condição de mero instrumento para fazer as pessoas felizes. O Estado se converteu numa finalidade em si mesmo: existe para crescer até o infinito, para se perpetuar e para atender aos desígnios dos que deveriam ser transitórios mandatários do povo.

Um desses novos direitos é aquele reservado ao ócio. Em seu favor invoca-se até o Criador. Ele, como lembrava Millôr Fernandes, só falou em trabalho depois que Adão comeu a maçã e quis alçar-se à condição divina. Por isso, o trabalho é castigo – o verbete deriva do latim “tripalium”, instrumento de tortura – e a vocação humana seria a vagabundagem. A versão singela do Éden seria o jardim das delícias, sem a necessidade de sobreviver “com o suor do rosto”.

Em abono a essa tese escreveu-se a respeito da ociosidade criativa dos gregos, sufragada por Sêneca, Montaigne, Lafargue, Russell e Camus, que teria dito: “Os ociosos é que transformam o mundo, porque os outros não dispõem de tempo para fazê-lo”.

O sociólogo Domenico De Masi chegou a excursionar pelo Brasil, proclamando que viveríamos o “ócio como entretenimento”: teríamos mais tempo de fruir dos bens da vida. Saudavelmente. Mas parece que ele errou. O trabalho levou a melhor.

Cesare Pavese, conterrâneo seu, teve a coragem de dizer: “Lavorare stanca”: trabalhar cansa! E os nazistas afixaram nos pórticos dos campos de extermínio a frase “Arbeit Macht Frei” : o trabalho liberta.

Aqui no Brasil das “bolsas”, é perigoso dizer que não é preciso trabalhar. Neto de imigrante, vivenciei o trabalho como obrigação redentora. Meus ascendentes fizeram desde os tijolos para construir a casa da família. Hoje, a moradia é direito fundamental e tem de ser oferecida gratuitamente pelo Governo. Será que progredimos no aprimoramento da espécie? Têm mais valor as benesses do que o fruto do trabalho?