O lado humano dos deuses

Agora que a China – a nova Rússia da América – ficou definitivamente pra trás, no ouro e no total de medalhas, nas olimpíadas de Londres, os ânimos dos torcedores se acalmam e a mídia exagera na exposição do lado mundano dos atletas olímpicos, bem ao estilo do bom humor americano.

Um bom exemplo disso é a execração pública de Henrik Rummel, do time de remadores americanos que ganhou a medalha de bronze na modalidade coxless four, cujo ouro ficou com os ingleses.

Na cerimônia de entrega da medalha, o remador parece ter uma ereção, e os comediantes não perdoaram, ajudados pela exibição virótica do video no YouTube:

“Não pode ser pela medalha de bronze, acho que ele estava pensando na de ouro que a Hope Solo merecia ganhar!”, disse um deles.

“Você estava com um remo no bolso ou era apenas felicidade por ganhar o bronze?”, disse um outro.

Eu, talvez com uma ponta de inveja pela sua conquista, só achei que o calção deve ser da mesma empresa que faz calça pra cantor sertanejo…

Fez também muito sucesso o decote da musa paraguaia Leryn Franco, do lançamento de dardo, que não ganhou medalha, mas foi eleita “a atleta olímpica feminina mais gostosa” (“the hottest female Olympian”).

Aliás, desde Larissa Riquelme, “a musa da Copa de 2010”, o Paraguai parece ter achado o seu caminho nas competições esportivas internacionais, que me perdoem os nossos vizinhos “brasiguaios” a minha equivocada noção de que só produziam soja e equipamento eletrônico alternativo…

No vôlei de praia, cuja final foi disputada entre duas duplas americanas – e o Brasil ficou com o bronze vencendo a dupla chinesa – nunca houve tanta insistência das câmaras em tentar mostrar aos telespectadores, no código dos dedos, o segredo da próxima jogada.

Por mais que tenha prestado atenção, eu ainda não consegui entender aquele código…

Outra façanha sensacional – entre tantas outras nessa arena! – foi a seleção feminina da Holanda, de hóquei na grama, ganhar a medalha de ouro diante das “Leonas” argentinas, onde se premiou, a um só tempo, a beleza e o desempenho na sua forma mais exuberante.

E mostrou também o que uma mulher é capaz de fazer com a outra com um taco de hóquei na mão, mesmo involuntariamente…

Tentando controlar o meu lado de torcedor (ok, talvez não…), quero destacar a conquista do ouro pelas nossas atletas do vôlei, que demonstraram que mulher bonita fica ainda mais bela com garra, eis que habilidade houve de sobra nos dois lados da rede.

Quero congratular também os mexicanos do futebol masculino pela vitória na disputa da medalha de ouro com o Brasil, em que um jogador com nome de supermercado, predador oportunista, acabou com a partida e com o sonho do ouro da seleção canarinho…

Mas quero, ainda mais, dizer que, assistindo às competições – e particularmente nesse jogo – notei que as olimpíadas, que preferem o belo, podem até condecorar a feiúra quando vem com habilidade, mas não toleram a falta de (des)empenho, nem a falta de pontaria nas cabeçadas à queima-roupa…

Piadinhas à parte, me chamaram a atenção dois acontecimentos que apagaram um pouco o meu deslumbramento com os jogos olímpicos de Londres:

O primeiro, aparentemente graças ao formato das diferentes modalidades – as tais regras do jogo – o badminton perdeu a graça perdendo a sua melhor dupla: as chinesas campeãs mundiais em 2011 Yu Yang e Wang Xiaoli.

Ambas foram acusadas – e vistas na TV por 1 bilhão de observadores! – de intencionalmente “entregar o jogo” (throwing matches), juntamente com três outras duplas – duas da Coréia do Sul e uma da Indonésia.

A estratégia, que seguia as regras à risca, era a de provocar resultados que levassem, de forma antecipada e “fora do espírito olímpico de dar o seu melhor em cada competição”, à determinação do adversário nas próximas partidas eliminatórias.

Yu Yang, que ganhara também a medalha de ouro em 2008 em Beijim, e o campeonato mundial em 2010, com a antiga parceira Du Jing, acaba de anunciar sua renúncia ao esporte.

A justificativa pelo seu comportamento no jogo que entregavam: “Estávamos machucadas e nos preservávamos, de acordo com as regras, pra próxima fase eliminatória.”

O segundo, provavelmente pelas mesmas razões de regras de competição, foi a ascensão e a queda do “Esquilo Voador” (“Flying Squirrel”) – Gabrielle “Gabby” Douglas.

Visivelmente esgotada, a menina-prodígio, uma das grandes sensações desses jogos olímpicos, caiu do cavalo, ou melhor, da trave de equilíbrio quando se apresentava, e, com ares de profundamente humilhada, agarrou-se ao equipamento como pôde, se recompôs, e finalizou sua apresentação ‘trágica’ sem levar nenhuma medalha.

Para o seu consolo – se é que o há! –  a sua companheira de equipe no Fab Five, Alexandra Raisman, ficou com a medalha de bronze na modalidade, que teve duas ginastas chinesas – Deng Linlin e Sui Lu – levando o ouro e a prata, respectivamente.

Com a evolução da tecnologia correndo mais rápido do que o Usain Bolt, e expondo os detalhes em High Definition, torna-se cada vez mais instantaneo – e global – capitalizar a beleza ou a vitória, mas não se tem como evitar que tripudiem, da mesma forma, sobre o derrotado…

Neste domingo, dia dos pais no Brasil, às 21:00 horas em Londres, será apresentada a festa de encerramento dos jogos olímpicos de 2012, a qual deverá nos deixar mais uma vez boquiabertos como crianças diante do mágico.

Assim, esperemos que, nos próximos jogos olímpicos de 2016 no Brasil, o espetáculo e o deslumbramento sejam iguais, mesmo que os resultados sejam diferentes!

Depois, é voltar ao trabalho – e à vida de comentarista ‘profissional’ – na segunda-feira de manhã, tentando explicar aos americanos, porque perdemos no futebol masculino e eles no vôlei feminino…