Cada novo espaço que surge à livre e plural comunicação de pensamentos, perspectivas e informações parece-me como um novo tijolo que se acresce à interminável edificação da democracia, que é a fortaleza da liberdade e da igualdade, mais robusta quanto maior seja a importância a ela conferida pela sociedade.
Assim como o ar faz parte dos principais elementos físico-químicos garantidores da vitalidade corporal, a liberdade integra os principais elementos sócio-políticos assecuratórios da vitalidade intelectual e espiritual. Não é somente o ar que, ao rarear, causa mal-estar, provoca fraqueza, coloca em risco a vida.
Quem já esteve em lugares governados por regimes que se esforçam, diuturnamente, por subjugar a liberdade, pode sentir como pesa na alma a liberdade rarefeita, e como inflama a consciência o nebuloso temor com que o terror estatal procura calar as pessoas.
Duas situações extremas e recentes, publicadas pela Folha de S. Paulo de 18 de março de 2012, ilustram aquilo que Rousseau já havia constatado: o homem nasce livre, e em toda parte está acorrentado.
A primeira remete à tirania vigente na Coreia do Norte, “Fuga do Campo14”, relatando a fuga de Shin Geun, nascido e crescido em um campo de trabalhos forçados para dissidentes políticos do regime ensandecido, condenado antes mesmo de adquirir consciência de sua própria existência, pois assim ocorre com os filhos daqueles que são banidos pelo sistema injusto e cruel. Estima-se o número de tais presos em 200 mil pessoas. Fugiu aos 23 anos (hoje conta 30), 9 anos após o enforcamento de sua mãe. Trabalhou na agricultura, extração de carvão e tecelagem, presenciou prisioneiros sendo espancados e executados em público, sobreviveu à base de milho, repolho e sal. Seu corpo, deformado pelo trabalho precoce e indelevelmente marcado pela tortura, explicita a extensão da violação a direitos humanos que grassa impune naquele país asiático.
A segunda matéria jornalística, “Notícias da Cidade Proibida”, registra entrevista com Ai Weiwei, artista chinês cujo blog foi censurado e extinto, que denuncia prisão arbitrária e injustificada, com espancamento, ocorrida em 2011, em situação tal qual Kafka já alertara em “O Processo”: prisão sem acusação oficial, depoimentos desprovidos de registro público, sessões de interrogatório com requintes de crueldade psíquica, assinatura de inúmeros documentos, ausência de defesa, processo infinito e infindável. Em sua entrevista, ele lembra que em apenas uma das muitas fábricas de equipamentos eletrônicos que impulsionam o crescimento econômico do dragão chinês suicidaram-se 20 trabalhadores, cujas condições indignas estão se evidenciando ao mundo.
Na Síria, as manifestações por liberdade política já teriam custado a vida de mais de 8 mil pessoas. Na Líbia e, antes, no Egito, o banho de sangue também coroou a ditadura que sufocou a nação por décadas. A Primavera Árabe produziu algumas flores, mas os espinhos parecem ser ainda mais abundantes.
Na América Latina, Cuba acaba de impedir a saída de uma blogueira que já havia obtido o visto brasileiro, e a Venezuela é mais um triste exemplo de poder unipessoal, com doses de megalomania, sobrepondo-se a instituições e celebrando o féretro da democracia. Preocupa também os ataques à imprensa e as restrições absurdas que o governo da Argentina têm imposto aos veículos de comunicação que ousam fazer críticas à presidente, os quais agora dependem de fornecimento estatal de papel para poder imprimir seus periódicos.
Como se vê, não são poucos os obstáculos à liberdade ainda hoje, em pleno século XXI; daí por quê se comemora mais um espaço livre, na internet, para a plural expressão das idéias, modo efetivo de zelar pela democracia em nosso país e, pelo contraste e pela denúncia, evidenciar o prejuízo que sua supressão por ditadores causa às pessoas. Sempre.
O oxigênio da democracia é a livre expressão das ideias e a possibilidade de buscar os ideais que motivam a existência humana.”