No meu post anterior, comentei sumariamente sobre a performance politicamente incorreta da nossa presidenta Dilma Rousseff em seu discurso de abertura da 67a. Assembléia-Geral da ONU, onde a mandatária do povo brasileiro – pretendendo falar em nome de todos nós – responsabilizou o mundo desenvolvido, islamofóbico, por todas as mazelas que assolam a humanidade.
Execrou democracias, que chamou de individualistas e protecionistas, e exortou, como uma boa samaritana, tiranias injustiçadas, embora lembrasse, em contradição, a tortura – menos explicada que o holocausto pro Ahmadinejad – que sofreu numa delas.
Lembrou Luís Inácio quando se referia aos patrões como exploradores inclementes dos companheiros, e não empreendedores que geravam empregos…
Como baby-boomer tupiniquim, vivenciei regimes conduzidos por patriotas, idealistas e corajosos, que impulsionaram o desenvolvimento do Brasil, principalmente a partir da década de 60, assim como presenciei eventuais sucessos de egocêntricos autoritários.
A farda ou o terno, não fizeram a menor diferença nos caracteres, como a fantasia não define a qualidade do palhaço.
O Brasil se desenvolveu muito – graças também ao crescimento de outros países, muitos deles hoje chamados desenvolvidos – e o trabalho levou milhões de conterrâneos à verdadeira classe média, que não se define por tabela estatística ajustada (e feita por amostragem) do IBGE, mas pela casa confortável possível de comprar e pagar, de sala com televisão e sofá onde cabem todos pra assistir, cozinha com geladeira cheia, carro na garagem, e a criançada, saudável, numa boa e segura escola…
Hoje, com a nova conjuntura mundial, de mais gente pro mesmo bolo, principalmente a partir de 2007 – de tantas causas que não cabem neste post – os países se defendem se voltando como podem aos seus mercados internos, onde dê pra expandir – ou evitar que declinem – e aos externos, se deixarem entrar.
É uma briga-de-foice, difícil de apaziguar, e eu me pergunto: o que nossos líderes brasileiros de hoje têm tanto a ensinar?
Que nosso campos têm mais flores, nossos bosques têm mais vida (aliás, como medimos isso, pelos animais fugindo das queimadas?), nossa vida mais amores?
Então, por que vamos, aos milhões, comprar em Miami ou Nova Iorque, e passear nos parques do mundo, onde deixamos bilhões todos os anos, ou voltamos de Paris nos gabando de como foi romântico tomar café com croissant às margens do Sena sem mendigos, assaltantes ou bala perdida?
Ou que, apesar de sermos o sexto país mais rico do mundo e de deixarmos pra trás outros mais de 180 países analisados, incluindo a Inglaterra e o Canadá, somos o octogésimo-quarto (vigésimo na América Latina) em qualidade de vida (IDH – Índice de Desenvolvimento Humano)?
Que nossos bancos são mais fortes porque têm passagem obrigatória – como nos cartórios de casamento – um dos maiores spreads do mundo e cobram taxa – de histórico criptografado e inintelegível no extrato – até pelo autoserviço que o cliente faz na ATM ou mesmo na Internet?
E que se baixarem muito a taxa de juros, abrindo um pouco a mão do spread, como fazem em outros países menos espertos, quem nunca comprou pode passar a fazê-lo e a inflação dispara incontrolavelmente?
Que as nossas fábricas de automóveis conseguem vender seus carros a freguês mais pobre pelo dobro do preço das suas matrizes, dado que seu sócio majoritário tributa excessivamente?
E que o licenciamento, o pedágio, a gasolina – apesar da autosuficiência e do teor alcoólico muito mais elevado – e o seguro, pelo altíssimo risco de roubo seguido de cacetada, também custam mais que o dobro do cobrado pelo Tio Sam?
E que, se assim não fosse, não haveria estrada pra todos os carros dos inconformados e sonhadores pedestres?
Que nossos pequenos negócios são praticamente inviáveis, formalmente, diante dos trâmites e do elevadíssimo custo em taxas e impostos, além da exposição aos gatunos?
Que nossa agricultura – campeã invejável e jóia da coroa! – ainda tem muito bóia-fria e trabalho infantil?
Que, enquanto levamos à classe média de 150 dólares a população da Argentina (40 milhões), ainda deixamos na favela a população inteira de Portugal (11,5 milhões), onde o salário mínimo é de 475 euros, um dos menores da Europa?
Que quem tem dinheiro – e não acha suficiente aquele hospital diferenciado, equipado e orientado pra paciente vip – vai tratar da coronária em Connecticut?
Que, se pudéssemos todos, mandaríamos nossos filhos estudar nos EUA ou Inglaterra, ou até mesmo nas pobres Austrália e Nova Zelândia, nem que fosse só pra aliviar a carga dos nossos bravos professores, que, à mercê de criminosos de qualquer idade, ensinam mal porque ganham pouco, ou vice-versa, e nem muito melhor lhes foi ensinado?
E que, cidadãos comuns, temos medo da nossa polícia?
E que, cidadãos não tão comuns, queremos, sim, Cuba libre de qualquer bloqueio, mas tomamos o coquetel com Captain Morgan porto-riquenho e coca-cola on the rocks, e preferimos caipirinha com Absolut ou Grey Goose?
Como dizia aquele personagem do Bussunda – e hoje canta aquele pedreiro na Internet:
“Fala sério, aê!”