Pirapora sem espuma

As romarias a Pirapora constituem tradição em Jundiaí. Meu avô materno, João Barbosa, não perdia uma. Depois, meu tio Alcides Barbosa também. Muitas vezes minha mãe pedia para ser levada a Pirapora, não a cavalo, como ia quando moça, mas de carro. Ali, além de rezar junto à imagem milagrosa do Senhor Bom Jesus, gostava de comprar rapadura e “cidrão”, doce de cidra enrolado em palha de milho seca.

Do outro lado da família, o Padre Nalini, Monsenhor Venerando Nalini, estudou no Seminário de Pirapora, da Ordem Premostratense, fundada por São Norberto. Assim, a memória afetiva guarda Pirapora num espaço sagrado, muito antes da música de Renato Teixeira: “sou caipira Pirapora Nossa, Senhora de Aparecida…”

De uns tempos para cá, o espetáculo na cidade turístico-religiosa é deprimente. Espuma branca e malcheirosa se espalha por todos os lados. Sintoma da falta de apreço da humanidade em relação à natureza. Descaso ecológico, falta de educação e de previsibilidade, obrigação do Poder Público.

De tempos em tempos a mídia mostra a calamidade. Nada se fez. Agora mais uma notícia: construir-se-á pequena central hidrelétrica – PHC, que auxiliará a reduzir a espuma. Faz parte de um plano de construção de seis barragens com eclusas para a passagem de barcos e quatro com centrais elétricas. Diz-se que, com isso, o Tietê se tornará navegável.

Surpresa? Nem tanto. Os bandeirantes já faziam monções no século XVII. Eram mais sábios do que os contemporâneos, que optaram por uma cultura automobilística, alimentada a combustível fóssil poluente e finito e que ceifa quase 50 mil vidas brasileiras a cada ano por morte no trânsito. Fosse um país civilizado e essa notícia causaria queda de governo e passeatas pelas ruas. Aqui tudo acontece e nada espanta. A cada dia uma novidade ruim. A cada dia uma notícia ufanista a tornar opaca ou esquecida a má nova.

É que tudo tem ao menos dois lados. Obras no Tietê formarão um lago de 100 km e inundarão área correspondente a 2 mil campos de futebol. Mas há quem se alegre porque o turismo tirará proveito dessa modificação hidrográfica ora em pleno curso. Que pelo menos a espuma desapareça de Pirapora e moradores e turistas/peregrinos possam ali respirar.