POR QUEM VAMOS AS RUAS

Encostados na parede, espremidos e paralisados pelos intensos
jatos de lama contra eles esguichados, eis que de repente, eles vão sendo
encurralados no cerco moral das ruas. Com a desfaçatez dos que aprenderam a
afanar crianças, se permitem apropriar-se do verso do famoso samba “Levanta,
sacode a poeira e dá a volta por cima”. Ao contrário, trata-se de uma volta
bem por baixo, pelas regiões subterrâneas do esgoto, dos falsos números e,
sobretudo, das tenebrosas transações eleitorais, com o objetivo exclusivo de
continuar mantendo para usufruto próprio a máquina do poder. Eles investem
no cansaço do povo. Cansaço das informações sobre tantas e tamanhas
bandalheiras, cansaço de assistir ao vivo e em cores um desfilar
interminável de degradação pública, cansaço do cinismo, cansaço dos acordos
escrotos entre governo e penduricalhos, cansaço das argumentações mais
estapafúrdias, das justificativas mais desconexas, tendo em vista negar o
que é notório. Eles investem na ignorância do povo, acostumado às mudanças
de enredo das novelas, quando tudo fica mais divertido e atraente com
bandidos virando mocinhos e invertem o resultado da história. E desse jeito
eles criam novas esperanças e de novo enganam o povo. Eles investem no
boicote de informações de instituições comprometidas e no corporativismo
interno de departamentos governamentais e de empresas estatais, que deram
abrigo às mais escabrosas maracutaias perpetradas com o dinheiro suado dos
contribuintes. Eles apostam decisivamente na destruição de valores, no
desprezo pelo esforço do aprendizado, na desvalorização sistemática do
conhecimento, na arrogância da ignorância. Eles acham, no fundo, que podem
obter o máximo com o meio preparo, o meio-crescimento econômico, o
meio-raciocínio e, quando muito, a meia-honestidade. Eles apostam na
meia-boca, no tapa-buraco, na gambiarra, no discurso do “como se fosse”.
Eles apostam na divisão dos empresários: de um lado, aqueles que desejam
escolher o mais flexível, o mais cordato à submissão de interesses, de outro
lado, aqueles que pretendem escolher quem tenha idéias próprias de
estadista, que buscam o patrimônio cultural e moral das futuras gerações.
Eles investem, antes de tudo, no esquecimento e na impunidade. Não foi para
nenhum projeto “ideológico”, não foram para nenhuma utopia
político-doutrinária, para nenhum “paraíso” social engendrado pelas
arrebatadas teorias do século 19, mas sim para simplesmente usufruir.
Usufruir bens menores, confortos medíocres, status consumista sem maiores
imaginações. Eles roubaram, enfim, para ser medíocres. Por eles e por tudo
isso, vamos as ruas para um Brasil melhor, mais justo e de fato para todos.