O presidente e o candidato

Quem assistiu ao debate presidencial americano na última quarta-feira, 03 de outubro, foi duplamente surpreendido, fosse republicano, democrata ou de qualquer outra fé:

De um lado, Romney, embora conhecido como notório vira-casaca (flip-flop em inglês), impressionou, exibindo com desenvoltura o melhor – e ensaiado à exaustão – do seu lado canastrão.

Envolveu totalmente o oponente – levando de roldão o mediador – e dominou, coreograficamente como cabia a um show de televisão, o espetáculo assistido por mais de 67 milhões de eleitores.

Chegou até a ser engraçado – quando ameaçou o ícone nacional Big Bird, personagem de programa infantil da PBS – coisa impensável para alguém com enorme índice de rejeição.

O conteúdo de sua mensagem foi menos do mesmo, dada a restrição do tempo, embora dito de outra forma, com mais “pá-de-cá, pá-de-lá, entende? como não, pô?”

De outro lado, a surra foi facilitada por um Obama passivo, hesitante e desfocado, como que deslocado do seu ambiente natural.

Acuado e perplexo, alternava letargia e irritação em seu semblante, com esporádicas e frágeis colocações em sua defesa, seguidas de novas broncas do desafiante.

Romântico como King Edward que abdicou ao trono inglês pelo grande amor de Lady Simpson, parecia mais concentrado na Michelle e no aniversário de 20 anos de casamento…

Evidentemente que jorrou tripúdio de trogloditas do Good Old Party e declarações de defesa da parte dos Democratas, não obstante muitos destes questionassem a perda da oportunidade, notadamente o fato de Obama não ter levantado no debate a recente declaração de Romney sobre 47% dos americanos serem parasitas do governo, que, pelo seu efeito, foi um tiro do Republicano que acertou muito mais acima do que o próprio pé.

Al Gore culpou a altitude de Denver, famosa por sua elevação oficial ser de exatamente uma milha (1.609,344 metros), à qual Obama, que chegara poucas horas antes do evento, não tivera tempo de se ajustar.

Outros partidários democratas justificaram a aparente letargia como preservação dignificante (“dignifying reserve”).

Especialistas em linguagem corporal dizem que Romney – que se mostrava excessivamente irriquieto no debate, parecendo ter ensaiado com os coreógrafos que colocavam expressão no rosto de Schwarzenegger – demonstrou inferioridade, e não a segurança pretendida (“os grandes animais se movimentam lentamente; o beija-flor é que se move rápido!”).

Comentários pós-combate, de crítica ou de elogio, à parte, o fato é que, no corpo-a-corpo em questão, o desafiante é o desafiante, ao passo que o ocupante do cargo pode ser forçado a ter que separar o presidente-candidato do candidato-presidente, façanha difícil até pra blogueiro explicar…

A meu ver, trata-se de se desinvestir da pompa do cargo – no caso, de homem mais poderoso do planeta! – e, temporonamente, se transformar num simples aspirante, numa situação de vulnerabilidade inusitada e desconfortável.

Felizmente pro Obama, tais debates iniciais têm se revelado, historicamente, mais um exercício da democracia e da liberdade de expressão da cultura americana – em que um mediador tenta, desajeitadamente, organizar interrupções e reclamações dos colocutores – do que fator de decisiva contribuição no desfecho da eleição.

Romney, adversário comprovadamente fraco, soube transformar o confronto numa luta de boxe cheia de clinches, daquelas em que a interferência do juiz ou a joelhada desleal são as únicas reações possíveis.

O mediador Jim Leher, jornalista, editor executivo e ex-apresentador âncora de um programa de notícias da PBS – e veterano moderador de debates eleitorais, com uma dúzia deles em seu currículo! – foi o primeiro a apanhar, como naquelas lutas telecatch do saudoso Ted Boy Marino.

E presidentes não dão joelhadas – pelo menos não se espera que deem!

O desafiante insistia em levar a briga pra rua – jogando sujo, pode-se alegar – e provocou o tempo todo, como se fazia no meu tempo de moleque com o “cospe aqui se você for homem!”

Com certeza, teria sido constrangedor até para aquele prefeito de Quixeramobim da piada na Internet…

Atualmente, o maior problema do presidente americano – tanto quanto de qualquer outro governo de qualquer outro país livre no mundo – é a economia ruim, que torna a vida mais difícil para aqueles que votam e esperam eleger o salvador da pátria.

Alguns economistas de respeito já acham que a pujança nunca mais será a mesma nos países ricos.

E é certo que a recuperação econômica, insensível a medidas isoladas, de âmbito doméstico, tem sido lenta, no melhor dos cenários.

Por envolver, necessariamente, a inclusão do resto do mundo, tal recuperação é dificultada pela falta de cumplicidade do eleitor nacional, cuja xenofobia é função direta do aumento do desemprego.

Mitt Romney, com seu histórico de homem de negócios com MBA em Harvard, discorre com mais desenvoltura no cenário econômico, e suas abobrinhas – teóricas, vagas, simplistas e proféticas – parecem ser mais convincentes ao eleitorado leigo que compõe os seus (alegados) 53%.

Especialmente nestes dias que se seguiram ao debate em Denver, de onde desceu com as baterias recarregadas.

Barack Obama, totalmente refeito e livre do ar rarefeito daquela cidade, e embalado pelo anúncio da mais recente taxa de desemprego, que agora é de 7,8% – a mais baixa desde que assumiu a presidência em janeiro de 2009 – terá nova chance no próximo debate em 16 de outubro, em Hempstead, NY. (*)

E caso seu vice Joe Robinette Biden não estrague tudo no debate com Paul Ryan, em 11 de outubro no Kentucky, deverá aumentar os 47% que Romney altruísticamente lhe concedeu…

Haverá ainda mais um terceiro – e último – debate em 22 de outubro, em Boca Raton, FL, enfatizado em política externa, para o qual Romney já deve estar ensaiando feito louco, enquanto pede inspiração a Joseph Smith e seus Santos dos Últimos Dias

(*) O formato do debate em Hempstead deverá ser o town hall, caracterizado como um encontro público informal com os eleitores – normalmente os indecisos – onde estes questionam diretamente os candidatos com assuntos nacionais ou internacionais.

Obama tem fama de se desempenhar melhor em tais debates.

Fonte: Tipnews.info