A PRISÃO E OS OBJETIVOS DA PENA

Recentemente, manifestação do Ministro Dias Tóffoli, no julgamento do mensalão, ganhou manchetes jornalísticas. Sua Excelência investiu contra a pena de prisão, dizendo-a com conteúdo medieval, e defendeu a adoção da pena pecuniária, como a mais adequada aos crimes “sem sangue”.

Essa manifestação nos levou a meditar sobre o tema.

A primeira observação que precisa ser feita, e para tal pedimos vênia ao ilustre Ministro, é que a gravidade, maior ou menor, de um crime, não se relaciona com sangue derramado. Não se nega a gravidade dos chamados “crimes de sangue”, em absoluto. Mas também não se pode deixar de considerar que outros crimes se revestem de especial gravidade, como aqueles que são objeto da ação penal 470 (mensalão).

Como temos visto dos votos proferidos, tais crimes atentam contra bem jurídico de especial relevo, qual seja, o próprio regime democrático. Os crimes de corrupção, ativa e passiva, independentemente de seu móvel, genericamente falando, por si só se revestem de gravidade ímpar, porque interferem com a normalidade da atividade administrativa do Estado, bem jurídico importante pertencente a todos que integram a coletividade. Mais ainda quando, conforme a maioria expressiva dos integrantes da Suprema Corte, atentam contra a própria ordem constitucional. Sem falarmos nos crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, também de especial gravidade face ao bem jurídico tutelado.

Abstraindo esse aspecto, convém lembrar, inicialmente, que a pena criminal tem uma dupla função preventiva.

No instante em que o legislador define uma conduta como crime, e a ela comina uma pena específica, é inegável que isso, ao menos em tese, representa uma prevenção geral, porque todos aqueles que pensarem em praticar aquela ação serão assaltados por uma preocupação, ou seja, poderão ser punidos. A cominação abstrata da pena criminal na lei representa, sem dúvida, um fator de intimidação para aqueles que pretenderem delinqüir. Além disso, quando imposta àqueles que delinqüem, são eles retirados da sociedade, com o que se previne a prática de novos crimes. Encarcerados, não poderão violar a lei penal. Mais ainda, a pena de prisão, novamente dizemos que em tese, representa uma oportunidade para o Estado “recuperar” o delinqüente, para que ao ser solto se reintegre socialmente. É a chamada prevenção especial.

No que se relaciona com o fundamento filosófico da pena de prisão, muito se discute através dos tempos. Para os adeptos das teorias absolutas, o fundamento da pena é encontrado nela própria. Representa um castigo, um mal conseqüente ao mal do crime. A pena de prisão é um fim em si mesma, quer como realização de justiça, quer como expiação de um mal. Em Latim, a expressão “punitur quia pecatum este” (pune-se porque pecou).

Os defensores das teorias relativas, por sua vez, sustentam que a pena de prisão tem uma finalidade exclusivamente preventiva, sem qualquer conteúdo expiativo. Daí a expressão latina “punitur ne peccetur” (pune-se para que não volte a pecar).

Teorias mistas ou ecléticas, por seu turno, sustentam que a pena de prisão tem uma finalidade dupla: repressão e prevenção.

O direito brasileiro acolheu o postulado das teorias mistas ou ecléticas.

De fato, isso resulta claro da leitura da parte final do art. 59, quando diz que o juiz, para fixar a pena, deve levar em conta as circunstâncias ali enumeradas, “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.

A pena criminal a ser imposta pelo juiz deve ser aquela (em sua quantidade) necessária e suficiente para a reprovação (castigo) e prevenção do crime. Esse o norte do julgador.

Não se pode pretender afastar a pena de prisão para os crimes que a prevêem. Não resta dúvida que a pena pecuniária também é importante. É certo que atingir o bolso do criminoso também representa um castigo. E duro no mais das vezes.

Mas é por isso que o legislador, em determinados crimes, como aqueles do mensalão, prevê ambas as penas: prisão e multa.

O legislador, a quem compete definir os crimes e estabelecer as penas respectivas, entendeu que a somatória das duas penas, prisão e multa, é aquela “necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.

Não cabe a ninguém, portanto, desrespeitar a vontade da lei.

Os julgadores devem, sim, impor a pena de prisão. E nos limites indicados pela lei, por mais elevada que seja. E devem também impor a pena pecuniária.

O que não se pode é pretender aliviar a pena de prisão sob os argumentos que nossas prisões são “medievais” e que a pena de multa tem força intimidatória maior que aquela. Isso representa um sofisma.

Todos são iguais perante a lei, conforme preceito constitucional. O estado lastimável de nossas prisões (uma realidade incontestável) vale para todos aqueles que infringem a lei. Independentemente de qualquer outra consideração.

E, por último, a liberdade, depois da vida, é o nosso maior bem jurídico.

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