O público da repartição (Final)

“Art. 331: Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela – Pena: detenção de seis meses a dois anos ou multa.”

Este foi o aviso que eu li enquanto, cheio de esperança, procurava nas paredes daquela repartição alguma orientação sobre a melhor fila e o melhor guichê para o meu caso.

Acabei tendo que perguntar, mas não sem o receio de ser preso e a frustração de ser mal informado…

Pesquisando depois, descobri que tal prevalecente aviso decorre do Decreto-Lei 2848, de 7 de dezembro de 1940, sancionado exatamente um ano antes do ataque a Pearl Harbor, em plena guerra indo-nipo-sino-europeia-americana-pan-humanoide, ainda no tempo de Getúlio e dos parcos réis disponíveis aos mais desamparados em terras tupiniquins.

Tal aviso onipresente goza, assim, do incontroverso – mas discutível à exaustão do lado mais fraco – amparo da lei…

As instituições públicas no Brasil – salvo algumas heroicas melhorias impostas pela visibilidade trazida via globalização forçada da Internet – sempre abusaram do suposto poder do servidor em relação ao cidadão ordinário.

Especialmente os indivíduos menos providos de recursos e, portanto, sem acesso efetivo a um representante da lei são – ainda! – humilhados em esperas sem fim e ludibriados com exigências absurdas e mentiras esfarrapadas que afrontam o bom senso e a lógica, rumo à concessão de um definitivo e poderoso não, em detrimento do servil demais talvez.

Surpreendentemente nestes dias em que a noção paisana evolui e prolifera, há prestador de serviço ao público que se traveste de delegado em cenário de “bullying” explícito do tipo polícia-bandido, em que a razão é acuada na vã missão de subjugar a estupidez…

Servir com respeito e trabalhar com produtividade parece ainda não ser preocupação generalizada entre os servidores do público meridional; o que ele indica se interessar é a excelência que imagina em si próprio.

Criadora do “jeitinho brasileiro” – também conhecido como “maracutaia”, “gambiarra”, “cafezinho”, “jabá”, “gato” (pobre nobre felino), etc – eis que a toda ação corresponde reação igual e contrária, a repartição pública é hoje vítima do seu próprio veneno, fato que já se evidencia pela presença de idosos e mulheres grávidas pagos pra fazer serviços de empresas nos balcões e caixas filantrópicos, pra não se alongar demais com casos mais cabeludos que acontecem por debaixo dos panos….

Enquanto a decência descamba, o crente involui pra mero contribuinte, e, como eleitor, é transformado num simples voto barato no discurso das promessas sem pagador.

Em ambiente em que a eventual boa intenção de alguns abnegados sucumbe à cepa contaminada reinante, compõe-se no guiché um cenário de incompatibilidade e hostilização recíprocas, e se percebe que não se é mais caravana, mas apenas um velho cão que ainda ladra…