Quem lê quem e o quê?

Escrever é um exercício solitário. O teclado chama quem se habituou a ver nele a companhia fiel. Quem lê aquilo que se escreve? Minha querida Lygia Fagundes Telles diz que todos escrevem. O difícil é achar um leitor. Gostaria de um dia escrever ficção, para deixar no conto, na novela, no romance, aquilo que não cabe na ligeireza dos limitados toques de um artigo de jornal. Uma crônica deve servir a que finalidade?

Preencher um espaço no diário que nos acolhe? Quantas vezes não encontramos o cronista a escrever sobre a falta de assunto. O horário chegando, as linhas o aguardam e ele tem de entregar um texto. E nada de especial surge em sua mente. Quem não consegue escrever ficção passa a produzir ensaio. Gênero incerto, nome utilizado por Roland Barthes e concebido de tal forma livre, que pode até dissolver seus próprios limites.

A ele também se dedicou Susan Sontag que, em 1978, escreveu: “Está se tornando impossível para mim escrever ensaios. Desconsidero a separação (um dogma) entre o ensaio e a ficção. Na ficção, posso fazer o que faço no ensaio, mas não vice-versa”. A mesma Sontag dizia dois anos depois: “Devo desistir de escrever ensaios porque essa prática se torna inevitavelmente uma atividade demagógica. Pareço ser o arauto da certeza que não tenho nem estou perto de ter”.

Sinto exatamente isso. Escrevo artigos mais alentados sobre os mais diversos temas e, após pesquisar para oferecer alguma coisa de interesse a quem me solicitou ou que possa atrair eventuais leitores, fico numa grande indecisão. Acredito mesmo naquilo? São tantas as incertezas, as ambiguidades no mundo da filosofia e do direito que é muito difícil concluir convictamente. Os ensaístas, na verdade, dão palpites. Fornecem sua opinião, que servirá para a reflexão.

Contribuem para incrementar o “achismo” que assola a cultura tupiniquim contemporânea. Embora o ensaio seja uma privilegiada forma de expressão, o ensaísta é criticado por sua falta de especialização. Quem fala sobre tudo, talvez nada entenda. Afinal, quem escreve o que e para quem? Escrever, qual cachaça ou cigarro, forma uma legião de dependentes. Mas dessa dependência ainda não quero ser libertado.