O real, o nominal, o racional e o fictício…

A matemática nos explica que real é todo número inteiro ou fracionário, positivo ou negativo.

Ela também nos mostra que racional é todo aquele que pode ser representado por uma razão (ou fração) entre dois números inteiros, onde eu incluiria os isentos de emoção, eis que número não chora como gente…

Tentando acompanhar as novidades sobre a economia semper reformanda destes tempos, novas essas que pipocam em ritmo muito mais rápido do que a minha capacidade de digeri-las e, mais ainda, de opinar sobre elas, eu percebo que a equipe que gerencia a economia, parece vir de escola diferente daquela dos analistas de mercado, tamanho o desencontro dos dados e da profecia.

Assoreados pelos ditames da políَtica – ou da liturgia do cargo como dizia o Sarney – deflagram discursos ufanistas sobre desempenhos cumpridos e novas promessas, que relevam as próprias contradições.

Trocam, sem o menor pudor, o dito pelo digo e digo mais.

Agride-se não só a gramática em tais discursos, mas se distorcem também os números.

Tal qual cartomantes que veem coisas nas cartas em que nem elas acreditam, gabam-se, e bradam, caraduras, como que isentos de qualquer cobrança –  pilotos viciados em cruise control  incongruências sob todos os ângulos e, independentemente daquele que se olhe, a mim parecem todos obtusos.

Um exemplo disso é o caso do tal juro real

Segundo os nossos experts, juros reais “são os juros nominais descontada a inflação”.

Assim, meu primeiro impulso foi concluir que há dois procedimentos pra se chegar aos juros baixos: abaixá-los por decreto e uso dos mecanismos econômicos disponíveis, ou deixar a inflação correr solta pra que faça o serviço, como uma das variáveis dessa equação de primeiro grau, que a molecada do prezinho de hoje já sabe calcular no seu iPhone.

Contudo, como quem mais diretamente sente o duro golpe do juro alto é o incauto tomador diante do prestador – e a inflação nocauteia a todos, incluindo velhos, mulheres e crianças inocentes! – resolvi acreditar na redução efetiva dos juros lá na mesa do gerente do banco e incorporei a bravura de tomador.

Conforme a nova tabela oficial de classes de renda, eu finalmente entrei na alta classe média brasileira – de R$641,00 a R$1.014,00 per capita mensais – porque consegui ganhar neste ano R$10.000,00.

Com saudades do tempo do Romi isetta, fui ao banco tentar financiar um Smart, tão em moda atualmente no Brasil – com a Selic a 7,5% ao ano, por que não?

O gerente, meu amigo, inicialmente pensou em juros de 25% ao ano pros 60% do valor do meu carrinho popular a financiar, mas como citei o Mantega e a Selic, resolveu condescender – coisa rara no ramo! – e eliminar totalmente o spread acachapante, e fez as suas contas:

Selic de 7,5% a.a. + corrosão da inflação de 5% a.a. = 12,5% a.a. de juros nominais, que nada mais eram que os juros reais da Selic de 7,5% a.a. protegidos da inflação.

Afinal, banco sem spread precisa ter um hedge, como Berlim precisava  do seu muro e El Paso (ainda) precisa da sua cerca…

Confuso, e lembrando que não tenho tido correção da minha renda pela inflação, a qual não me parece que deveria ser capaz de distinguir de que lado da porta giratória-com-detector-de-metais-e-inadimplentes eu estaria, propus, à socapa:

Selic de 7,5% a.a. – inflação de 5% a.a. = 2,5% a.a. de juros nominais, a serem pagos pela minha renda nominal de 100%, tornada real para 95% pela inflação não reposta, fazendo com que os 2,5% propostos nada mais fossem que a Selic deflacionada e equiparada com a minha perda salarial e, portanto, realizar-se-iam rendas e juros, viabilizando pagamentos, eis que a inadimplência está pela hora da morte.

Desnecessário dizer que o gerente chamou meu cálculo de fictício – quase tão fictício quanto a possibilidade dos bancos reduzirem o spread! –  e me mandou tomar (o empréstimo) em outro banco!

E, como amigo, indicou um banco japonês, que pratica juros reais negativos

Em tempo: A proposta acima não se aplica aos privilegiados que ganham o salário mínimo – que tem a reposição da inflação anual nominal – pelo fato de terem prolongado a adolescência ad infinitum e ainda morarem na casa dos pais, de terem deixado toda a sua renda no supermercado, e de não terem garagem pra guardar o carro quando as ruas são entregues aos predadores da noite