O vale do rio Pó, que nasce nos Alpes ocidentais e se entrega ao mar nas cercanias de Veneza, é a região mais rica da Itália.
É naquela várzea fértil, de vinhedos que evitam os brejos e de arrozais que os procuram, que nascem as raízes – também minhas! – que prendem a península Apenina, sob os Alpes, ao continente europeu, que decidiu, assim, separar o Adriático do Mediterrâneo, provavelmente pra apartar mariscos e mexilhões, beligerantes e passionais como os humanos que ali iriam viver…
O moderno cenário industrial, mais evidente nos arredores de Turim e de Milão, contrasta com a medieval paisagem campesina, que insiste em não perder a presença como os feitos mesmerizadores dos imperadores romanos – aliás, os italianos são o primeiro produtor de soja e o segundo plantador de milho de toda a União Europeia, eis que nem só de vinho vive o homem.
A Itália de hoje parece bem menos romântica que aquela do tempo de Marcello Mastroianni e Sophia Loren, a notar pela preocupação à la tupiniquim com os furtos nos supermercados e nas lojas, com os vândalos nos monumentos históricos e nos museus, e com os predadores da noite, quando os italianos das cidades menores somem das ruas.
Em Milão, a alegada capital da moda, os homens jovens, ao contrário do meu tempo, quando emprestávamos as roupas dos adultos, passaram a usar as calças e paletós dos irmãos mais novos – pelo menos dois números menores! – mas ainda mantém a arrogância e a agressividade típicas dos jovens, seja no volante de Ferrari, Lamborghini, Fiat 500 ou motoneta, num frenesi alucinado que as ruas, de pequenas, não dão conta, e a gente corre como os espanhóis de Pamplona dos seus touros…
O primeiro shopping center do mundo, o Galleria Vittorio Emanuele II, ainda está lá, tentando vender suas roupas e acessórios de marcas e preços extraordinários, como se a economia estivesse molto bene, grazie!
A maior catedral gótica do mundo, dedicada à Santa Maria Nascente, na Piazza del Duomo, observa, impotente e à distância, os casais se dando amasso sob o sol da primavera nos gramados do Parco Sempione, protegidos entre o Arco della Pace de Napoleão e o Castello Sforzesco, e embalados pelo canto incessante do Mimo dei campi, primo do nosso sabiá-dos-campos, aqui chamado de Mocking bird…
Tudo isso diante de centenas de camelôs senegaleses e nigerianos forçando a compra de bolsas e bugigangas chinesas a nós, deslumbrados turistas, enquanto obstruem caminhos e pontes!
Em Verona, ainda se deixam cartas a Julieta, mas as fotografias só parecem ter graça se apertarem as tetas da coitadinha, eis que Romeu já morreu…
O lago de Como já não tem tanto peixe, mas ainda deslumbra como deslumbrou Giselle Galos, que compôs o noturno homônimo, e, em Veneza, o gondoleiro continua remando e expondo bíceps e tríceps bronzeados sob a camisa listrada, mas já não canta mais nem dame un cornetto!
A mim, o que mais deslumbrou na terra mater foi poder ver os Alpes com os olhos dos meus ancestrais e imaginar os seus sonhos aventureiros…
Relembrar, pelos quintais que ainda estão lá, os quintais de nossos avós no Brasil, com seus canteiros de verduras adubados com cocô de cavalo – pés de chicória, salsinha, cebolinha, alho…
A abobrinha pelo seu fruto de quarenta dias, pelos seus brotos cambuquira e pelas suas flores, uma iguaria esquecida no Brasil…
O reverenciado alecrim e o manjericão-de-folha-larga essencial para o pesto e pro chazinho milagroso…
O pé-de-figo e o pé-de-pêssego, a maçã-da-pérsia, carentes do frio e da poda pelas mãos que os conhecem há mais de mil anos…
O onipresente caramanchão de uva de mesa e a pequena parreira de uva corvina, amassada com o pé para o vinho caseiro, quase sempre muito ácido pela falta da uva nebbiolo e pela saudade do Pé-do-monte…